quarta-feira, 10 de junho de 2009

O homem sentado



Havia um bucólico vale onde uma plantação de margaridas tornava o ar carregado de pólen e com cheiro de natureza. Numa manhã nublada, quando os passarinhos estavam todos sem a mínima vontade de cantar, um homem ao lado de seu calhambeque estava sentado sobre um cepo. Passava por ali então uma senhora cigana. Ao ver o homem desolado disse:

- O que deixa você tão triste senhor?
- Meu calhambeque já não anda. Acabou a gasolina.
- E isso é um problema tão sério assim?
- Onde conseguirei mais combustível? Por acaso não sabes que estamos longe de tudo?
- Seu tolo. Tens as pernas pra que? Deixe esse monte de latas ai e vá atrás do que precisas.
- Sei que terei de realmente fazer isso, mas me custa imaginar tal ação. Só encontrarei a gasolina a léguas daqui. Além do mais terei de voltar todo o caminho para poder encher o tanque e então partir com meu calhambeque.
- Eu lhe acompanho. Conversando o caminho não será tão enfadonho. Seu calhambeque ficará te esperando, afinal de contas ele está sem gasolina.

O homem então se animou e saiu na sua jornada na companhia da cigana.

Depois de algumas horas de caminhada os dois encontraram uma moça chorando.

- Por que choras ?
- Meu casamento..
- O que tem teu casamento?
- Está morto. Não existe mais paixão. Tenho saudades dos tempos onde eu e meu marido, éramos como fumegantes brasas incandescentes.
- Você não o ama mais? Ele não tem ama?
- Penso que ainda nos amamos. Mas o calor de nossos desejos agora não passa de uma tépida lufada de respeito.

Pensativo o homem refletiu sobre a insignificância do próprio problema e pensou consigo mesmo:
- Eu chorava por algo que posso comprar e ela chora por algo que terá que reconquistar. Que tolo sou eu. Em seguida o homem falou:
- Venha comigo e com esta cigana. Temos uma grande caminhada. Vamos conversando e quem sabe não achamos uma solução. Afinal de contas se você ainda chora pelo seu casamento, isso é sinal de que esse coração não está tão gelado assim.

A jovem melhorou o semblante e acompanhou o homem e a cigana pela estrada.

Ao entardecer, quando o sol começava a querer desaparecer por detrás do monte, os três avistaram um velho debaixo de uma arvore com os olhos muito vermelhos. Resolveram parar pra saber:

- Algum problema senhor?
- Problema? Sim. Eu sou o problema. Estão vendo aquele amontoado de toras?
- Sim. Respondeu a mais jovem.
- Até a algum tempo atrás, eu e meu machado transformávamos aquilo em lenha. Hoje não tenho mais força pra isso. Meu corpo é como uma máquina velha que não consegue mais acompanhar meus objetivos.

Tanto o homem quanto a jovem sentiu o rosto corado, lembrando ambos suas tolas preocupações.

- Eu estava tristonho porque meu calhambeque estava sem combustível, veja que tolice. Disse o homem.
- e eu chorando por achar que não existe mais paixão no meu casamento. Que boba. Talvez eu até esteja errada. Completou a jovem.

- Senhor? Falou a cigana. Venha conosco vamos arrumar um outro trabalho para o senhor. Ouvi falar que na cidade vizinha eles precisam muito de vendedores nas quitandas. O senhor não é obrigado a viver do produto desse machado. Existe um mundo de alternativas.

O velho então animado levantou-se e seguiu com os demais.

....


Lá estava o pobre escritor debruçado sobre sua mesa. Fazia dias, semanas e talvez meses que nada conseguia criar. Estava angustiado. O céu pardo era o espelho perfeito de seus pensamentos outrora criativos. Suas colunas semanais já nem eram mais solicitadas. A verdade é que sua curta vida de escritor parecia ter sido uma farsa. Seus leitores pareciam tê-lo abandonado. Nunca mais havia recebido alguma carta ou comentário de alguém da redondeza. Desceu até o quiosque perto da praia. Havia decidido parar de escrever. Sentado numa espécie de manilha de cimento viu a aproximação de quatro figuras.

Os quatro andarilhos o demoveram de desistir. Palavras de estímulo eram o que precisava. E ele seguiu com seus amigos pela estrada afora.