terça-feira, 17 de março de 2009

Conto de Anjo


A voz de Matilde era trêmula, gaguejava, o padre teve de pedir calma e até cogitou levantar dali para pegar um copo de água. Apesar de que no confessionário as sombras servem para apoquentar e proteger as almas arrependidas, o homem da batina sabia que ali estava Matilde. Ele conhecia aquele timbre, aquela presença, sabia que ali do outro lado quem confessava era uma das pessoas mais mal faladas da paróquia, mulher bela, atraente, mãe solteira e que muitos comentários maldosos provocava entre os fiéis. Cidade pequena tem dessas coisas. Não seria aquela fina e peneirada película de compensado que deixaria dúvidas quanto à identidade daquela que lhe abria seus segredos. Desestimulado pela mulher, quanto a buscar a água, o padre ouviu da mesma a promessa de que dali em diante acalmar-se-ia.

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Filho de humildes sobreviventes da guerra, Luigi desde pequeno conviveu com as agruras da vida. Nos tempos de vacas gordas sua família conseguia uma parca refeição diária, mas geralmente aquele rapaz vivia na mais pura miséria. Luigi era filho único, mas não seria mentira dizer que ele tinha uma irmãzinha chamada fome. De todas as suas lembranças de infância a companhia da fome era a mais comum.

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O que fervilhava na cabeça do pároco era o fato de que Matilde sempre foi conhecida naquela minúscula cidade, como uma mulher sem honra e sem fé. Uma mulher que discutia, muitas vezes aos gritos, com aqueles que lhe perturbavam. Ela nunca freqüentava a igreja nas missas semanais. O que teria acontecido para que uma pessoa, tão cética a palavra de Deus, começasse sua aproximação a casa do Senhor, justamente pelo confessionário?

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Luigi desde sempre trabalhou. Obviamente que sua total falta de ensino não permitia um serviço mais nobre. Limpar celeiros, varrer quintais, transportar qualquer coisa. O pagamento invariavelmente era um prato de comida ou um pedaço de pão. Analfabeto da cabeça aos pés, o trabalho que ele mais gostava era limpar e capinar quintais.. Tinha prazer em deparar com terrenos apinhados de capim para em seguida vê-los nus como crianças inocentes. A localidade onde Luigi vivia já estava ficando um tanto quanto explorada e os quintais e serviços estavam começando a rarear. Foi nessa época que Luigi resolveu buscar novos horizontes. Ele rumaria ao sul.

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Um pouco mais calma, a mulher com os olhos cheios de água, começou dizendo que imploraria perdão pela sua fé tardia. O padre tratou de antecipar que Deus é infinito em sua bondade e benevolência. A mulher então iniciou sua história.

Há cerca de seis meses que meu filho vinha tendo fortes crises de tosse. As noites eram suplícios com os sons secos e sofridos vindos do quarto do menino. Ele sofria seguidos estágios de febres. Sei senhor padre, que meu relato deverá revelar quem sou, mas isso não muda a angustia e arrependimento e nem enfraquece meu desejo de ser perdoada.

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Depois de conseguir uma carona com um carro de boi até determinado local, Luigi se viu obrigado a seguir dali a pé. Com suas ferramentas às costas e protegido por sua velhíssima capa de lona escura, o jovem, porém sofrido Luigi seguiu trilha afora. Ele era muito alto e magro, um pouco curvado, provavelmente em virtude dos anos de labuta. Graças ao hábito de usar capucho, sua pele era branca e curtida como um lençol velho. Seus olhos centralizavam um carrossel de olheiras profundas. Ninguém nunca diria que aquele rapaz tinha menos de 20 anos. Luigi era uma caricatura ambulante, um coitado sem teto, sem futuro e sem noção de onde terminaria sua caminhada.

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O padre nesse momento pensou: Pobre Matilde, pecadora na sua fé e tão inocente em imaginar que sua voz já não tivesse lhe traído. O fato é que realmente seu filho estava muito enfermo nos últimos tempos. Na cidade todos já esperavam pelo pior. A mulher continuou:

O meu doce Gabriel vinha sofrendo tanto quanto o seu Cristo a espera da cruz. Nos últimos dias, além da febre e das dores cavalares por todo o corpo, o pobre e franzino ainda sofria com vômitos e tonturas. Todos os doutores que consultei, não deram nenhum sopro de conforto. Não havia mais analgésico, morfina ou qualquer outra coisa que fizesse efeito. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde a morte bateria a porta de minha casa.
Foi ontem seu padre, durante a tempestade, minha casa ficou as escuras, depois de praguejar contra seu Deus e todos os outros deuses que pudessem existir, quando a minha já falecida fé ressuscitava na forma do ódio mais tenebroso da face da terra, eu ouvi o esmurrar na porta. A terrível tormenta com seus raios e trovões não poderia ser um melhor cenário para a chegada daquele anjo exterminador. Confesso que mesmo do alto de todo meu ceticismo eu estremeci ao olhar disfarçadamente pela janela lateral junto à porta. Lá estava, vestida de negro, com a pele branca e com os olhos fundos. Nas mãos trazia sua foice. A visão, daquela figura sob torrencial chuva e relâmpagos era o terror escarrado. Minhas pernas enfraqueceram, tremia muito. Foi nisso que corri até a cozinha, primeiro para me armar com uma faca ou cutelo, mas depois apenas para chorar de medo. Que pessoa tão tola poderia desafiar a própria morte com uma faca de cozinha? Agachei-me apavorada num canto perto do fogão a lenha.
Não sei quantos minutos passaram-se, mas resolvi correr até o quarto de meu menino. Eu estava afogada em puro remorso. Naqueles dias eu vinha pensando no que resultaria a morte de minha criança, naqueles dias eu vinha vislumbrando o final de um calvário, naqueles dias eu vinha, porque não dizer, desejando o fim de tudo aquilo.

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Apesar de todas as cicatrizes que a vida havia reservado ao pobre Luigi, duas coisas nunca o abandonaram: A sua bondade e seu medo de tempestades. Depois de caminhar por léguas numa trilha de matagal muito denso, o rapaz começou a sentir o peso do cansaço, da fome e o pior, percebeu que o céu estava escuro como chumbo, um temporal estava se armando. Era preciso apressar o passo, correr. O medo já inundava os pensamentos do miserável rapaz. Luigi não discerniu o que caiu primeiro, se a escuridão da noite ou as gotas grossas da tempestade. No breu do meio do mato, Luigi finalmente viu uma fagulha. O fio de luz vinha do que parecia ser uma pequena aldeia. A chuva, no entanto já estava começando a encorpar. Luigi descobriu então uma casa toda às escuras, provavelmente um local abandonado. Protegido da chuva pelo capucho, o rapaz esmurrou a porta, pois não acreditava que alguém morasse ali numa casa, sem luz e tão afastada do centro da aldeia. Notou que a porta era firme, resolveu buscar outra entrada. Uma janela nos fundos não estava trancada. Luigi não hesitou e pulou pra dentro da velha casa.

Ao tocar os pés encharcados no chão do quarto o infeliz percebeu a besteira que havia feito. Na cama deitado, um garoto dormia. Luigi ficou perplexo em ter invadido um lar, ele poderia jurar que a casa não tinha habitantes, sentiu um movimento as suas costas. Ao virar-se viu um oásis de luz surgir dentre a negra camada de escuridão. Os raios e relâmpagos revelaram o que seria o anjo mais lindo da face da terra. Luigi ficou ali e por milésimos de segundos tudo parou. O seu coração parou, o som do trovão emudeceu, as suas pupilas congelaram, uma lufada de vento vinda da janela aberta moldou o vestido daquele ser iluminado pintando um quadro vivo dentre as vistas da porta. Sua face era cor de pêssego, talvez aquele rosto tivesse a textura de um pêssego, com certeza teria o aroma e o gosto de pêssego, os olhos, os olhos, os olhos, Luigi poderia esquecer toda a infelicidade de sua vida, se pudesse navegar ou nadar por um segundo naqueles olhos. Cílios, sobrancelhas, o cabelo castanho avermelhado. O corpo semi revelado por detrás de esvoaçantes panos parecia criar tentáculos que clamavam por aproximação, fascínio, desejo, luxúria. Todos os pecados do mundo moravam naqueles quadris. Junto com os raios que riscavam os céus, uma lamina avassaladora de paixão penetrou fácil, como uma faca fumegante que corta um cubo de manteiga. Passado esse “big bang” temporal, onde um século esconde-se num milésimo de segundo, o rapaz caiu em si e pulou para fora daquele quarto, fugindo por debaixo da grossa chuva, com sua capa, seu capucho e sua foice.

...

Seu padre existe perdão para uma mãe que deseja a morte do filho? Como poderei ser perdoada, se nem ao menos eu me perdôo.


Fui então, com as pernas pesadas como âncoras, para o quarto de meu filho. Eu iria pedir perdão para ele antes que o anjo maldito lhe levasse para outro mundo, eu iria abraçá-lo pela última vez e suplicar por perdão. Mesmo que ele já não falasse mais nada nos últimos dias e talvez nem ouvisse, eu iria lhe tomar nos braços e dizer que lhe amava muito.
Logo que abri a porta, um relâmpago iluminou o quarto escuro de meu filho. Lá estava do lado da cama dele, aquela criatura horrível, assustadora, aterrorizante. Seu olhar perdido, como o olhar de um coiote, parecia um predador a espreita de sua presa. Surpreso com minha chegada, numa fração de segundo pulou pela janela por onde, com certeza, havia entrado. Por incrível que pareça o meu coração naquele instante, apesar do susto, só tinha um único medo, o medo que eu não tivesse chegado a tempo de dizer ao meu Gabriel o quanto eu o amava e o quanto eu estava arrependida por todos os meus recentes pensamentos. Cheguei mais perto de meu filho e o vi com os seus cabelos oleosos e a pele rosada por conta das intermináveis noites febris. Foi ali que um sopro arrancou de minha alma toda a falta de fé. Ele estava vivo com os olhos abertos, fazia dias que eu não via seus olhos. As lágrimas borbulharam nas minhas vistas, louvado seja o Senhor, meu filho estava vivo e seu corpo não ardia mais.
Senhor padre, veja que milagre; Deus todo poderoso, salvou a vida de meu querido Gabriel debaixo do nariz da morte. Eu peço perdão, senhor padre, por toda a vida sem fé e sem regras que levei. Meu filho nascido de uma aventura de minha juventude foi por todos esses anos o único ser que amei de verdade. Ele, belo fruto, que apesar do pai ausente, trouxe alegria a minha amarga vida. Bastaram, alguns dias de enfermidade e eu fraquejei e por conta do cansaço e aflição cheguei a desejar sua partida. O que tenho que fazer para atingir a graça do perdão?

O padre sussurrou então para a inconsolável mulher que Deus encontra nos pântanos a beleza dos oceanos. Receitou algumas orações e disse que ela seguisse com seu coração em paz, pois agora seu filho estava com saúde e o milagre deveria sempre ser lembrado, como um sinal de que até nos corações e mentes mais empoeirados e enclausurados, a força do Senhor seria soberana. A mulher agradeceu o vigário, saiu do confessionário um pouco mais leve e foi cumprir sua sentença.

...

O assustado jovem correu o quanto pode pela mata fechada. Sua foice trabalhou com voracidade, não havia matagal, arbusto, trepadeira ou qualquer menor vegetação que impedisse aquela jornada. Cansado e com o coração na boca, finalmente o rapaz encontrou uma toca que lhe protegeria da ira dos céus. Ficou ali agachado. Agora na sua cabeça, não havia água, não havia raios. Na sua cabeça o sol brilhava, e com o pensamento ensolarado, vinha o desconforto. Ele precisava pedir desculpas aquela mulher, ele precisava fazê-la crer que nunca invadiria uma casa com uma família. Ele precisava dizer algo mais. Esperou a chuva passar e ao amanhecer esperou a espreita até que a mulher saísse.

...

Ao sair da igreja, grande foi o susto da mulher, lá do outro lado da praça estava de pé olhando diretamente para ela o anjo da morte. Sua roupa preta, sua face pálida e sua extrema magreza. Matilde não titubeou, mesmo antes de olhar direto nos olhos e na face do ente maldito, saiu em disparada e desesperada para outro lado. Seu nervosismo aumentou ainda mais quando viu que aquele vulto a perseguia. Andando muito rápido e tentando sumir entre vielas vazias daquela manhã de domingo, ela acabou entrando num beco sem saída. Na entrada do beco surgiu o perseguidor. O vento fazia tremular sua capa negra lembrando as asas de um abutre do deserto. O coração de Matilde estava descontrolado, batia acelerado e desesperado. Deus provavelmente não havia lhe perdoado. O Anjo viria acertar as contas.

...

Finalmente ela saiu da igreja. Luigi jamais entraria na casa de Deus naquela situação. Suas roupas eram trapos imundos, sua capa endurecida pela sujeira parecia asas de morcego. Sua silhueta era a visão de um pobre diabo. Ele percebeu que ela desviou o caminho e resolveu segui-la. Vielas, e ladeiras vazias, foram logo vencidas. Seguiu-a até um beco. Beco sem saída. Agora ele poderia pedir desculpas. Porém antes de aproximar-se sentiu uma lança fervente rasgando-lhe a carne, em seguida outra chibatada e outra. Seu corpo fraco e arcado caiu de joelhos, revelando assim por detrás a origem dos tiros. Um soldado que por ali perambulava chegou a tempo para salvar a mulher. O pobre Luigi ainda tentou levantar o olhar para tentar dizer algo àquela que lhe enfeitiçou de paixão. Um último tiro ainda explodiu em sua nuca. O corpo agora estava caído. Luigi agora era o que sempre pareceu ser: Um homem morto. A mulher apavorada saiu em disparada sem nem mesmo agradecer o soldado. Naquele momento o que ela mais queria era o filho nos braços.

Aqui do alto eu vejo o quadro. A mulher agora abraçada com o filho. Filho saudável, curado por um milagre. Ela sabe bastante sobre o amor, mas sabe pouco sobre paixão. O miseravel morto, estirado num beco, sua maldita e exagerada magreza permitiu que minha flecha, naquele quarto e naquela noite, atravessasse fácil seu corpo. É bem verdade que o garoto do outro lado acabou sendo beneficiado. A paixão é poderosa, ela ressuscita corações congelados e salva moribundos. Admito que exagerei naquela flechada. Queria apenas dar um pouco de tempero na vida daquele miserável. Pobre Luigi. Enlouqueceria com tanta paixão. Bem aventurado Gabriel, que por um erro meu, prorrogou seu encontro com o desconhecido. Graças a toda essa história, estou condenado a ficar ainda muito tempo como querubim, um dia ainda serei um anjo de verdade. Estou cansado dessa sina de cupido.

terça-feira, 10 de março de 2009

Exemplos de Vida


Uma das coisas que aquele jovem mais se preocupava era com sua imagem perante aos amigos mais pobres. Morador de um condomínio de luxo, João precisava mostrar para todos que os ricos também podem ser pessoas honestas. Ele ouvia sempre de colegas do colégio que o cara pra ter grana deveria ser um pilantra, talvez traficar drogas, ser golpista ou contrabandista graúdo, e claro tinha aqueles que haviam nascido com o bumbum virado pra lua; este seria o caso dele. João detestava esses comentários, ele já sabia de cor a história de seu pai, um homem de visão e trabalhador, que da pobreza conseguiu criar um império no mundo dos negócios. João orgulhava-se do velho. Sua vida era bem movimentada, tinha aulas de inglês, fazia artes marciais, praticava tênis, natação. Para tudo isso ele ia de um lado a outro sempre com chofer e segurança. Seu dia a dia era uma correria.

João tinha amigos normais, saiam na balada, curtiam garotas, festas Rave, gostavam de bebidas e agitos. Apesar de ter nas veias o fumegante sangue da juventude, João não se excedia, era ponderado nos horários, cumpria seus compromissos, dedicava-se nos estudos e tinha boa relação com todos que conhecia. Enfim, João era o que chamavam de “um bom garoto.”

Certa vez, numa festa temática organizada por um empresário amigo de um tio, João observou que outro jovem estava oferecendo, o que parecia ser cocaína, a um grupo de garotas. O rapaz aproximou-se e deixou que o fornecedor percebesse a sua presença. Em seguida disse:

--- Cara, isso não vai te levar para um bom caminho!

--- Te perguntei alguma coisa?

--- Estou falando para o seu bem, isso ai é péssimo!

--- Cala a boca “playboizão” , se não queres, sai fora e não atrapalha!

João lamentou com a cabeça, mas abriu caminho para o outro sair. Depois disso, João foi questionar as receptoras:

--- Vocês costumam fazer isso aqui?

--- Quer um teco riquinho chupa cabra? Se quiser, vá lá comprar o seu.
Dito isso, saíram gargalhando.

O rapaz então retirou-se um tanto quanto transtornado, lamentou, porém voltou para os amigos e para a festa.

....


No dia seguinte, o pai de João folheando o jornal, ficou surpreso com o que leu: Traficante é morto com três tiros em festa temática.

Num pulo o homem foi até o quarto ver o filho, que ele sabia ter ido àquela festa. O rapaz estava lá ainda debaixo das cobertas.

--- João, João. Acorda. Você ficou sabendo disso?

O rapaz ainda sonolento senta-se na beira da cama e olha o jornal.

--- Ah? O sim, esse rapaz eu vi lá ontem. Ele estava mesmo fornecendo droga. Mas não se preocupa pai, ele trabalhou pouco. Eu falei com o Danilo e o Xerém.

--- O que? Tá louco rapaz? Tú mandou apagar o filho do meu amigo que estava começando no negócio.

O rapaz, agora com o olhar arregalado respondeu:

--- Porra pai, como é que o senhor coloca um sujeito novo na parada e não diz nada. Pensei que era concorrente.

--- E desde quando tu escutas o que eu falo? O guri, tu só quer saber de estudar e nem te liga nos nossos negócios, e quando resolve “ajudar” um pouquinho me vem com uma cagada dessas. Se fosses mais participativo, essas coisas não aconteceriam.

--- Pô pai, desculpa vai. Foi mal. O carinha lá me irritou né?

--- Vou ver o que posso fazer lá em relação ao chefe. Tua sorte é que o Siqueirão detesta o Danilo e o Xerém. A gente depois inventa uma coisa e os dois vão pro saco. Agora volta a dormir garoto.

O homem passou a mão na cabeça do rapaz e saiu do quarto.

João voltou para a cama e ainda pensou:

--- Meu pai é o cara.

segunda-feira, 9 de março de 2009

O Vilarejo dos Tolos


Num país muito distante existia um lugarzinho de beleza estonteante. Nesse vilarejo as pessoas viviam de forma simples e confortável. A natureza ali era generosa. As flores com coloridos exuberantes exalavam um suave e agradável aroma. A fauna era basicamente de pássaros e pequenos roedores que brincavam sem cerimônia dentre os bancos de praças e jardins. O lugar era agradabilíssimo em todas as estações. No verão, o sol iluminava um grande lago e grupos de cisnes navegavam elegantes num lindo espelho d’água. No inverno, um frio agradável pedia por deliciosos passeios com amigos, parentes ou amantes, ou à leitura de um bom livro na praça, tudo regado a fumegantes canecas de chocolate e cappuccino. As noites naquele lugar traziam um espetáculo fascinante. As estrelas formavam um carrossel de luzes e parecendo purpurinas cravejavam todo o firmamento, delineando figuras estonteantemente brilhantes.

A harmonia nesse lugar era perfeita. As pessoas se respeitavam e viviam num ambiente de grande companheirismo e educação. Os velhos eram venerados por sua sapiência e por suas lições de vida, as mulheres eram bem tratadas e sempre servidas por atitudes de cavalheirismo pelos demais. Os homens eram educados e solícitos. Viviam do trabalho do campo, do gado e do comércio local. As crianças viviam felizes, sem medos de violências ou opressões. Praticamente todos os moradores se conheciam, se respeitavam e se admiravam.

Os recursos naturais desta aldeia eram formidáveis. Havia boi, vacas e cabras, criados por fazendeiros locais e que serviam com sobras o fornecimento de carne, leite e derivados a toda população. Agricultores daquelas terras também produziam de maneira sustentável, grãos, cereais, legumes e frutas em abundância.

Certa vez, um forasteiro de nome Cláudio chegou àquela pequena e adorável terra. Foi recebido com extrema simpatia por seus ocupantes. Foi adulado, bem tratado. Cláudio ficou encantado com a qualidade daquele sítio e não tinha a menor dúvida. Ali ele ficaria pra sempre.

Cláudio, que nem tinha família, instalou-se com conforto perto de uma praça, no andar superior de um sobrado, cuja dona fez questão de que fosse por ele ocupado. Desenhista de mão cheia e trabalhando com esboços de rostos humanos e animais, Cláudio logo viu suas ilustrações terem boa aceitação e venda. Cláudio em pouco mais de alguns meses já era mais um feliz morador daquele adorável lugar.

Certa vez, Cláudio passeava perto do lago e ouviu o som de uma cachoeira. Curioso ele logo perguntou ao primeiro transeunte sobre aquele som. O jovem, de forma muito simpática disse que se tratava de uma bela queda d’água que fechava um portal no meio do bosque.

--- Portal? Como assim portal? Perguntou Cláudio.

O Jovem de forma muito prestativa, pediu para que o curioso homem o acompanhasse e o guiou rumo ao bosque.

Foi de boca aberta que Cláudio viu uma das imagens mais linda de sua vida. Uma alameda dentro do bosque revelava um córrego de água cristalina e no fundo da paisagem surgia uma imensa queda d’água correndo rente a um paredão de rocha, muito alto. As cores das flores e dos pássaros ao redor, cintilavam e faziam aquilo tudo parecer uma pintura impressionista de Monet. Cláudio de fato percebeu que por detrás da grossa coluna de água, um portal que parecia ter sido feito por alguma civilização antiga surgia. O volume de água não permitia que se enxergasse o que a caverna e o portal escondiam, mas percebia-se que existia sim uma passagem por ali. Vendo aquilo, Cláudio fez a pergunta mais obvia.

--- O que tem dentro da caverna?

--- O rapaz disse que ninguém nunca havia tentado olhar.

Observando o espanto de Cláudio, o rapaz ainda completou:

--- Reza a lenda que um cavaleiro antigo, um dia ali entrou e nunca mais retornou. Um imperador a cerca de quatro séculos disse que as pessoas de bem nunca deveriam nem tentar por ali passar.

Cláudio agora estava ainda mais surpreso. Baseado numa velha lenda, os moradores daquela cidadela nunca pensaram em passar por aquela cortina de água? Provavelmente haveria ali algum tesouro perdido. Talvez a própria lenda tenha surgido como forma de afastar os tolos daquele lugar. O que mais deixava Cláudio abismado era o fato da facilidade de que alguém teria pra tentar a passagem e que ninguém nunca a tivera feito.

Cláudio agradeceu ao rapaz e voltou com ele ao centrinho da vila. Deixou que o rapaz tomasse seu rumo e disfarçou que iria para casa.

--- Mostrarei a esses inocentes tolos, que as lendas são coisas criadas por espertalhões de outrora. Pensou o forasteiro.

Cláudio esperou o entardecer e foi de novo até aquela alameda.

O local com a luz do sol ponte parecia ainda mais belo e convidativo. Cláudio tirou as sandálias, arregaçou as calças e caminhou por entre a agradável água até o portal. Chegou bem perto da queda e passou com facilidade.

...

O vilarejo continuou lá. No entanto os moradores nunca entenderam porque um forasteiro certa vez, chegou, ficou, parecia feliz e subitamente foi embora.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O Sortilégio do Corsário


Minha diversão quando garoto era correr pelos pastos e colinas entre cabras e bodes. Às vezes, quando algum tio trazia da cidade papel de seda e cordão, construía papagaios e com um pouco de habilidade, ajuda do vento e imaginação a brincadeira estava garantida. Lembro que certa vez, eu estava brincando de soltar papagaio perto de um grande penhasco com vista para um oceano agitado, quando percebi um velho vindo em minha direção. O homem de barba branca e rala usava uma camisa de flanela por debaixo de um colete de cor verde musgo. Tinha um chapéu esquisito, como um gorro, parecido com um que eu já havia visto em ilustrações de velhos livros. Notei que o homem apesar de aparentar muito velho, tinha certo porte e usava brinco numa das orelhas. Suas calças cor de areia pareciam imundas e achei estranho que ele usasse grandes botas feitas de uma espécie de lona crua e grossa.

O homem caminhou cambaleante até alguns metros de mim, parou, colocou um dos pés sobre um pequeno rochedo e ficou observando o mar revolto. Seu olhar era profundo, saudoso, parecia estar olhando para um antigo amigo. Tinha quase certeza que ele nem percebera minha presença. Aproveitei para olhar melhor suas características. Percebi que sua pele era muito queimada do sol, e que amarrando suas calças ao invés de um cinto, o homem tinha um cordão encardido. Pela sua boca entreaberta vi que seus dentes eram apenas cacos amarelados, notei também que ele tinha orelhas muito compridas e cabeludas. De fato tratava-se de uma figura de aparência um tanto quanto desagradável. Ficou ali cerca de dois minutos, até perceber minha companhia. Observou-me com ar de desinteresse e continuou olhando para o horizonte. Não contive minha curiosidade e perguntei:

--- O que tem no mar, que te faz pensar tanto? Perguntei.

O velho me olhou de cima abaixo e respondeu com outra pergunta:

--- Quantos anos você tem?

--- Quatorze! Respondi.

--- Pra alguém tão novo, você mostra muita coragem em dirigir a palavra a um cara como eu.

--- O que tens de tão temeroso, se não apenas uma cara velha e feia. Arrisquei.

O velho fez pouco da minha resposta, sentou-se no rochedo e bebericou um pouco de uma garrafa que só naquele momento eu percebi que levava consigo. Em seguida continuou:

--- Você está certo rapaz. De que adianta viver tanto tempo. Falou enigmaticamente.

--- O senhor tem quantos anos? Setenta? Questionei.

O velho, pela primeira vez mostrou os dentes de verdade. Eram realmente cacos amarelados e podres. Devia ter um hálito horrível.

--- Setenta!? Repetiu o velho emendando em seguida uma antipática gargalhada.
--- É isso que represento pra você garoto? Completou.
--- Sabe? Gostei de você! Gosto de jovens corajosos que chamam piratas de feios e velhos. Disse ainda ele.

--- Piratas não existem. Retruquei.

--- Eu sou o último pirata da terra.

Depois disso ele novamente virou-se para o mar e bebeu da garrafa.

Recolhi minha pandorga e me aproximei do embriagado homem. Senti um cheiro de suor, álcool e fumo de suas vestes.

--- Senhor pirata. Onde está seu navio? Perguntei, sabendo que os piratas já não navegavam os mares a muito tempo.

--- Meu navio o oceano ja engoliu. Meus homens todos já se foram. Tive que me transformar nesse rato que agora tu vês.

--- E o que queres agora? Porque estás aqui a olhar para o mar? Repeti.

--- Quero de volta o que me foi retirado. Foi aqui nesse penhasco que um corsário chamado Ramon de La Cruz, me contou o grande segredo e em seguida se atirou. Falou soturnamente o velho maluco.

--- Que segredo? Rebati.

--- O segredo da vida eterna! Rapaz, este homem que lhe fala tem mais de 400 anos, no entanto mais da metade disso, foi vivido como um desprezível rato. No começo eu tinha a aventura nas veias, amava navegar por ai, saqueando, barbarizando e estabelecendo minhas próprias regras ao mundo. Explicou. Em seguida emendou:

--- Desde que o mundo “adoeceu” e eu fui perdendo meus nobres parceiros de luta que eu venho definhando dia a dia. As coisas às vezes, parecem reluzentes como jóias, dobrões e pérolas, mas nem todo brilho é eterno. Hoje, nada me apetece. As mulheres já não querem nada comigo, os mares já não são universos misteriosos como outrora, nem mesmo uma fumegante sopa de siri parece ter o mesmo sabor. Sou apenas um velho andarilho, de vida eterna.

--- Qual o segredo, velho bêbado? A essa altura eu já estava querendo desmascarar aquele velho pinguço e mentiroso.

--- Quer mesmo saber? Disse o homem com um pequeno brilho nos cansados e profundos olhos.

--- Sim, quero ver até onde vai a sua historinha.

O homem olhou para o mar, fechou os olhos e vociferou em voz alta contra o vento!
--- Cá estou eu senhor dos mares, voltei atrás. Aceito o inferno de volta e repasso meu sortilégio a este rapaz!

Em seguida o homem caiu no pasto como uma maça madura que não agüenta mais na macieira. Só o barulho do vento se ouvia naquela região. Dei de ombros e fui embora com minha pipa, deixando o bêbado pra trás.

Fiquei sabendo no dia seguinte que um mendigo, paupérrimo e sem família tinha sido encontrado morto por ali. Naquele momento lamentei pelo velho maluco. Hoje, aqui olhando o que seria o grande penhasco, vejo que muita coisa mudou. Já não existem os campos verdejantes, há posadas, hotéis e o mar foi longinquamente afastado e bloqueado por um aterro e por diversas edificações. Crianças já não brincam por aqui, nem gostariam, não é mais um lugar agradável. Nasci em 1839, completei hoje 170 anos. Aquela visão do horizonte já morreu, ou melhor, está inutilmente viva para todo o sempre na minha triste lembrança daquela tarde de 1853.

terça-feira, 3 de março de 2009

Dias e Noites




Daniel estava inquieto, afoito. O pai percebeu, e perguntou ao filho se havia algum problema. O rapaz de 13 anos disse que não, mas a mãe logo tratou de explicar a situação.

--- É que hoje tem gincana lá no colégio. O Daniel está empolgadíssimo não vê a hora de receber a tarefa dele. Disse a mãe.

O pai, então entendeu a agitação do rapaz. Ele sabia que Daniel adorava qualquer tipo de competição.

O garoto deu dois goles no café e já ia saindo com pressa. A mãe ainda o convenceu a levar um pãozinho fumegante, recém saído do forno. Antes de sair Daniel deu um beijo na irmãzinha Diana. Daniel adorava aquela menina. Desde que ela havia nascido, dezoito meses atrás, parece que ele tinha conseguido o que mais queria na casa: Respeito. Daniel ficava aborrecido quando o pai ou a mãe exageravam no tratamento infantil dado a ele. Agora como o filho mais velho, ele se sentia mais cúmplice nas conversas e decisões da casa. Naquela noite mesmo, ele gostou muito de ter ajudado a mãe durante a madrugada enquanto a menina chorava para dormir.

O colégio era a cerca de seis quadras. No caminho Daniel sempre passava na casa de Mogli, seu melhor amigo e dali seguiam juntos. O nome de Mogli na verdade era Josué, mas a sua aparência franzina e seus traços indianos tinham lhe rendido o apelido. Bem menos empolgado que Daniel, Mogli teve que ficar ouvindo as expectativas do amigo em relação à gincana que começaria naquele dia. Se existia alguém que Daniel confiava e contava todos os segredos, esse alguém era Mogli.

--- Espero que não venham com aquelas tolices de arrecadar dinheiro nas casas. Não quero perder meu tempo pedindo esmolas. Disse Daniel.

--- A única coisa que me interessa nessa gincana é a premiação. Respondeu um nem tanto animado Mogli.

A gincana era um evento que todo ano acontecia no Colégio, e a premiação este ano seria uma viagem com tudo pago para visitar as famosas cachoeiras da fronteira. Já no pátio da escola, juntaram-se a Daniel e a Mogli, os outros dois componentes da equipe. Rui, um menino ruivo e extrovertido e Isabel uma garota loira e simpática. A gincana era uma competição por turmas e cada turma dividia-se em equipes que cuidavam de suas tarefas.

Isabel foi logo dizendo:

--- Já estão distribuindo as tarefas lá na escadaria, temos de ir rápido pra ganharmos tempo.

Atravessaram todo o pátio de piso em mosaico até um corredor que a esquerda terminava numa grande escadaria. Ali no piso superior já se avistava certo tumulto. Um professor atrapalhado distribuía bilhetes. Rui subiu correndo, esticou os braços e recebeu do meio da confusão o bilhete de sua equipe. A expectativa era grande. O próprio Rui abriu e leu.

--- O que acontece depois da morte? A melhor resposta ganhará os pontos. Assim estava escrito.
Com tanta tarefa bacana, do tipo conseguir discos velhos, brinquedos raros ou coleções de insetos e selos, aquela tarefa, parecia cair como balde de água fria em cima de Daniel. O garoto ficou em silêncio, parecia decepcionado. Sua equipe deveria escrever algo sobre uma questão que obviamente era impossível de ser cientificamente respondida.
Rui, Isabel e Mogli começaram a trocar idéias do que escreveriam. Isabel achava que o ideal era descrever o paraíso, com suas nuvens e anjos tocando harpas. Rui discordava e pensava num texto mais aterrorizante, talvez mortos vivos invisíveis nas ruas. Mogli apenas observou a serenidade de Daniel, e perguntou:

--- O que foi Daniel? O que você ta pensando?

--- Precisamos dizer a verdade. Respondeu o rapaz olhando para o nada.

Mogli conhecia aquele olhar. Concluiu que Daniel não tinha entendido o sentido da pergunta da gincana. Sabia que Daniel levava a sério demais as competições.

--- Daniel, a questão é só uma coisa simbólica, eles querem respostas engraçadas, criativas, interessantes. Não pense você que isso precise ou vá ser decifrado.

Apesar de concordar com o que Mogli havia dito, Daniel pediu licença dizendo que mais tarde traria uma idéia para os amigos. Mogli sabia que Daniel era um caso perdido. Deixou cair os braços e ainda gritou para o amigo.

--- Daniel! Passa no cemitério e pergunta por lá.

Daniel fez uma careta e saiu apressado. Os outros ficaram rindo com a brincadeira de Mogli.

Até a noite, Daniel já tinha buscado em todos os cantos de seu cérebro uma resposta pra questão: O que vem depois da morte? Mesmo depois que sua mãe tentou convencê-lo de que isso sempre foi e sempre será um mistério e que o exercício da redação era apenas uma brincadeira filosófica, o garoto ainda buscava um argumento convincente. Enquanto a mãe balançava Diana nos braços, Daniel ficava no sofá com as pernas pra cima só observando e pensando.

--- Ela tem algum problema? Perguntou o pai à mãe, preocupado com o choro da pequena.

--- Nada! É sono, todo dia é isso. Tô pra ver menina pra odiar mais o sono. Respondeu a paciente mãe.

O pai então pediu pra tentar fazê-la ninar no seu colo. O homem tentava acalmar a criança, lhe dizendo que era só um soninho, caminhando com ela nos braços. A menina parecia não acreditar no pai e tentava de todas as formas tirar o sono do corpo. Passada cerca de meia hora, a menina finalmente dormiu como um anjo.

O dia seguinte surgiu nublado. Era um sábado e Daniel foi acordado pela mãe que chorava muito. Assustado, o rapaz logo a abraçou e perguntou o que havia acontecido.

--- O que houve mãe? Alguma coisa com a Diana?

A mãe apressou-se em dizer ao filho que a menina estava bem e o que tinha ocorrido de ruim não tinha sido na casa deles.

Quando Daniel chegou junto com seus pais na casa de Mogli, um sentimento horrível encheu o seu coração. Mais cedo, ao receber a notícia da mãe, Daniel ficou chocado e chorou, mas agora vendo o amigo ali sem vida, tudo ficou ainda mais insuportável.

O franzino e tímido Mogli, ali parado, com os olhos fechados para sempre. Parecia uma marionete guardada. Daniel sentiu o seu coração quase parar. Queria dizer para o amigo o quanto sentia. Pensou na hora em como a noção do viver é estranha. Justamente quando vemos as pessoas daquele jeito, como um objeto, um corpo inerte, é que sentimos a peculiaridade e o valor da vida. É como a falta de energia que valoriza tanto a nossa luz de cada dia, ou o simples resfriado que nos certifica que a saúde é tudo. Nos velórios e enterros sempre nos fazemos as mesmas perguntas: Por que, Pra onde, Pra que. Sentimos todo o medo ou inconformidade. Choramos.

O clima de tristeza era geral. Os parentes mais velhos ainda discutiam as causas do atropelamento. Daniel não ficou muito tempo. Sua mãe não estava se sentindo muito bem e convenceu o menino a ir embora com ela. Daniel chorava muito. Ele se perguntava quando aquela dor sumiria e seu coração nada respondia.
Aquele resto do dia foi tão cinza quanto o céu nublado. Daniel ficou em casa vendo TV e dando atenção a sua querida irmãzinha.

À tardinha do dia seguinte, Diana começava a choramingar de sono. Daniel pediu a mãe que deixasse que ele a fizesse dormir. Pegou-a no colo e sentou-se no sofá. Olhando nos olhos da menina tentou conversar enquanto ela esbravejava. Chegava a ser cômico a revolta e resistência da criança. Desde a trágica notícia e a triste visita a casa de Mogli aquela foi a primeira vez que Daniel esboçou um pequeno sorriso. A mãe percebendo que o filho não conseguiria, tomou Diana no colo e a fez dormir em menos de 10 minutos. Daniel ficou apenas observando pensativo. No instante que a menina dormiu, Daniel e a mãe trocaram tímidos sorrisos. Ela estava feliz vendo o filho sorrir, ele contente que havia conseguido uma resposta.

...

A gincana havia sido cancelada, dado o trágico acontecimento. As aulas só voltaram na quarta-feira. Daniel tomou seu café com pão e creme de amendoim. Saiu mais cedo nesse dia. Ele tinha uma missão.

...

Abatida e triste, a mulher, de cabelo negro e olhos indianos, deixava algumas flores num jazigo. Foi então que ela percebeu um pequeno papel dobrado. Provavelmente alguém tinha deixado ali mais cedo. Era um bilhete. A mulher abriu e leu.

“Querido amigo, durma em paz! Minha irmãzinha sempre chora pra dormir. Ela chora porque não sabe que o outro dia sempre vem. Ela não sabe que entre os dias existem as noites e que entre as vidas existe a morte. Minha mãe diz pra mim que eu também era assim. Mas eu aprendi que o sol nasce todos os dias. Mais cedo ou mais tarde, todos nós aprendemos. Com carinho, Daniel”


A mulher enxugou as lágrimas e sentiu o coração sorrir.