quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Platônico




Essa brisa matutina trouxe você às minhas lembranças. Sua sombra se aproximando, seu perfume neutro, seu vestido florido e suas coloridas presilhas de cabelo. Ah, Minha baixinha, minha menina brincalhona que transformava aquelas manhãs em deleite. Gostaria de poder lhe escrever, mas não posso. Tanto tempo se passou e meu sentimento platônico e secreto ainda sobrevive agonizante, apesar desses cruéis invernos e outonos.
O que lhe escreveria se pudesse? Diria que tenho saudades de você me abraçando com seus braços brancos e finos, e que volta e meia surpreendo-me sonhando com você deitada, com a cabeça no meu colo e olhando pra mim e para o céu. Era nessas horas que me deliciava com a cor de seus olhos. Olhos redondos e violeta que refletiam as flores que eu lhe oferecia.
Desde muito pequena trazias seus segredos e até choravas sob minha proteção. Tenho ainda gravado no meu coração seu nomezinho.
Tento agora imaginá-la uma respeitavel mulher. Que linda mulher não deves ter se transformado. Será que ainda lembra-se de mim? Que bobagem, imagine se um insignificante como eu povoaria de alguma forma suas lembranças.
Tenho noção que não passei de um amigo de ocasião. Ajudava-lhe em suas lições da escola acompanhando-lhe em cada pagina cada parágrafo e cada linha de suas leituras matinais.
Lembro certa vez que você estava vendo um livro de recortes e para chamar sua atenção lhe joguei uma pétala de flor. Seu sorriso, como resposta, foi mais radiante que o próprio sol. Aquele sorriso alimentou-me por dias. Guardei minha emoção a sete chaves no fundo de meu coração, junto com seu nome. Daí você largou seu livro e veio para meus braços e balancei você no ar como se fosse uma folhinha. Você sorriu, você gargalhou, mas entendeu apenas como diversão, nunca enxergou minha paixão invejosa, nunca percebeu minha agonia, nunca compreendeu minha situação.
Eu sempre lhe esperava no mesmo lugar a cada inicio de verão. Não pense que era fácil quando o frio chegava e você se despedia. Minha serenidade era só fantasia, era máscara, era disfarce. Logo que você sumia de minha vista, eu caia em desgraça e chorava muito.
Sei que só me tinhas como um figurante, um objeto, uma sombra. Mas fique sabendo que fui um miserável apaixonado pela sua liberdade, suas danças e suas brincadeiras saltitantes. Tinha ciúmes do mundo que existia sob seus pés e raiva pela minha estagnação. Sempre lhe respeitei e sempre lhe invejei. Sonhava viajar com você pelo mundo, ter conhecido outros lugares, outros climas, outras paisagens.
Já se foram muitos verões que você nem apareceu. Estou velho, nem sei o quanto ainda vou durar. Tenho ciência de que você se foi pra sempre. Deve ter encontrado um companheiro de verdade, alguém que lhe corresponda, alguém merecedor, alguém que lhe acompanhe. Fico feliz com sua felicidade, mas entenda que desde aquele último verão, eu nunca mais fui o mesmo. Sinto-me seco, meus braços estão magros, meus pés doloridos. Não sou nem sombra do que eu já fui.
Às vezes o vento de alguma forma me traz você de volta, pois lembra seu peso leve nos meus braços. Mas é só o vento, é só uma fumegante presença sua e nada mais.
Tenho saudades minha amiga, muita saudade.


...ANOS DEPOIS


A mulher chega de mansinho no varandão. Ao seu lado o menino curioso acostumado com a cidade, vê novidade em todos os cantos daquele velho sítio.

- Mamãe! Olha só que legal isso.

- É um fogão a lenha, querido.

Ela caminha um pouco mais e olha com nostalgia cada cantinho daquele casarão.

Na sua cabeça a lembrança dos verões e dos avôs.

- Quando tinha sua idade eu sempre vinha passar o verão aqui nessa casa.
Disse para o filho que continuava afoito com todo aquele cenário.

- Veja o quintal aqui atrás. Gritou a irmã que também acompanhava a mulher e o menino.

- Que legal titia! Tem bastante espaço. Respondeu o menino.

A mulher olha pela porta dos fundos e sente algo diferente.

- Realmente, aqui parece ter bem mais espaço do que quando éramos meninas.

A irmã responde:

- É o Pé de Jacarandá que derrubaram faz alguns anos. Lembra dele?

A mulher para um pouco e sente o coração balançar.

O Pé de Jacarandá trouxe-lhe um turbilhão de boas lembranças: Aquela sombra, o balanço nos galhos, as suas flores violetas. Quantos abraços deu naquela velha arvore.
Lembrou do dia que desenhou um coração no tronco do velho Jacarandá e escreveu seu nome.

Seus olhos ficaram cheios de água e sentiu-se como uma menina boba.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Casa do Elói



Tempos Atuais – Cena 1

Joca abre os olhos e não consegue definir se acha o barulho do seu despertador mais irritante ou escroto, é uma duvida que cotidianamente desperta na sua cabeça sonolenta. A rotina é tão dura e fria quanto o chão do banheiro que em menos de dois minutos ele já está pisando. O chuveiro fraco feito bica apenas serve como o primeiro chicote do dia. O sujeito não esboça nada, só faz o de sempre: Banho, toalha, roupa, café com pão dormido. Nos goles do café tenta ser um pouquinho poético e resmunga baixinho que até o pão dorme e ele não. É muito cedo e quando sai para a rua sente por alguns minutos o frescor matinal. O sol, no entanto não demora a surgir, todo caxias, pra não deixa-lo esquecer que sua vida é um inferno.

Ele trabalha num galpão para estoques, carrega pacotes o dia todo e fica conferindo e carimbando algumas notas. Trabalho digno de um condenado é o que sempre pensa. Seus amigos do trampo riem de seu jeito resignado que não se anima pra nada, na verdade ele é um cara quieto, muito misterioso e poucos colegas do galpão já conseguiram ver o branco de seus olhos.

O homem parece que não tem vida social, nunca fala para os amigos de nada de sua família, nada de seu bairro, nada de seu time de futebol... Se é que ele tem algum time. Ele mesmo diz, quando perguntam, que na verdade ele não se lembra de nada que não seja trabalhar. Pra ele aquele cotidiano é tão desgastante que virou eternidade na sua mente. Ele só se vê acordando para ir trabalhar e nada mais acontece na sua vida ingrata.

As horas passam como as rochas andam, o dia evolui como um cortejo de lesmas. A vida não passa para Joca, para ele a vida é como um retrato, um retrato desbotado e sem foco, de alguém que sofre de feiúra aguda.

Porém naquele dia, algo foi diferente. No ponto de ônibus um mendigo entregou-lhe misteriosamente um bilhete. No bilhete escrito em letras bem delineadas: Casa do Elói esteja lá amanhã as 18:00 horas.

Casa do Elói? Mas que diabos? Pensou o infeliz. O que esse velho maltrapilho sabe sobre a Casa do Elói? O motivo da surpresa era simples, a tal casa citada era um velhíssimo sobrado abandonado onde na infância Joca brincava nos arredores, imaginando mil e um mistérios. Ele nem lembrava porque chamavam de Casa do Elói e nem mesmo nunca soube quem tivesse sido esse tal de Elói.

O dia seguinte prometia, pois Joca acordaria antes do despertador. Teria de sair mais cedo do trabalho, para ir de encontro ao velho e misterioso sobrado cor de barro, que há tanto tempo ele não via.

....

Tempos atuais – Cena 2
Zequinha chegava do trabalho todos os dias imitando passarinhos com seus assovios. Os obrigatórios cochilos no ônibus, na volta do serviço, serviam como um elixir milagroso. Renovava sua alma e transformavam aquele homem num poço de serenidade e alegria.

Beijo na mulher, os pães quentinhos o café fumegante, um ritual sagrado para Zequinha que sempre tinha a mesma resposta à esposa quando esta perguntava sobre o dia de trabalho:
- Minha linda, o trabalho ficou lá no lugar dele. Minha vida é aqui, em casa, sem compromisso, sem preocupações. Se perguntares a cor da minha sala eu sinceramente nem saberei lhe responder, pois essas coisas simplesmente apagam-se da minha mente.
A mulher invejava essa virtude do marido, nunca o ouvira dar um pio sobre problemas na firma ou discussões com colegas de trabalho.
Constantemente bem humorado, ele curtia sair todos os fins de tarde, depois do café, para passear no calçadão praiano com a mulher. Inspirado pela brisa fresca do mar e pela luminosidade vermelhada do por do sol sentia-se um apaixonado pela vida. Para Zequinha não existe tempo feio, para Zequinha o tempo nem existe e dentro de seu peito um coração jovem jamais envelhecia.
Naquele fim de tarde a luz do sol estava deslumbrante, seus raios refletidos no horizonte criavam uma espécie de caminho dourado no mar, um rastro da cor de telha encerada. Aquilo fez Zequinha se lembrar de sua infância, soltar pipas, lá perto do sobrado abandonado de sua terra natal, um abandonado casarão ocre com janelões brancos dentro de um grande quintal desprezado e abandonado. Aquela casa velha e tétrica era conhecida como a Casa do Elói. Foi então que, quase que de maneira hipnótica, tomou uma decisão: Na manhã seguinte iria lá ver como estava o velho casarão.

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Dia seguinte – Cena 3

- Ele deve estar chegando. O radar portátil alerta a proximidade de um Terráqueo.

A criatura da uma recuada e esquiva-se atrás de uma placa publicitária. No esquisito radio transmissor houve uma nova instrução:

- Confirmado. É o humano que estávamos esperando, pode seguir com a operação.

Ali perto um homem se aproxima em passos lentos.
- Como tudo aqui mudou. Tolice minha achar que aquele casarão ainda estivesse de pé. Pensa.
Ele percebe um pequeno movimento atrás da placa. Numa fração de segundo sente um calor esquisito na pele e seu corpo é abduzido num piscar de olhos.

Numa mesa metálica azulada o corpo do homem esta inerte. Não está morto, apenas dorme um sono profundo. Ao seu redor um grupo de criaturas inexplicávelmente estranhas conversa entre si. Eles têm braços longos, pernas curtas e seus crânios são inviáveis, com olhos separados, lembrando as cabeças de tubarões martelo. Conversam baixo quase de forma telepática. Um deles diz algo a respeito do fim de uma experiência e injeta um liquido no pescoço do homem através de uma seringa incrementada.
Em seguida um deles diz:

- Ok, vamos devolver este e procurar outro.

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1976 – Nave Vastnes 800 - Cena 4

O virdiano fala:
- Caros senhores Virdianos, estamos próximos do planeta Aqua denominado Terra pelos humanos. Hoje seguiremos com nosso experimento de bi-polaridade existencial induzido. Vamos introduzir em mais um humano esta droga e daqui a alguns anos retornaremos com o antídoto para verificação.
Neste intervalo de tempo observaremos o comportamento dessa cobaia, que deverá mostrar duas personalidades distintas. Nessa nova versão da droga, conseguimos separar esses universos paralelos através de uma chave.

- O que seria essa chave?
Perguntou outro Virdiano

-A chave de comunicação entre essas duas faces será ou não uma noite de sono ou até um cochilo. A cobaia vai transitar de um lado para o outro nesses instantes de repouso. Deveremos fazer a introdução do antídoto em cerca de 35 anos.

-Vamos ao Trabalho!

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1976 – Casa do Elói – Cena 5

O garoto José Carlos brinca distraído de pandorga. Ao ouvir um zumbido a criança olha curiosa uma pequena luz por detrás do vizinho casarão amarelo. O zumbido aumenta e ele assustado olha para o céu. As nuvens parecem pegar fogo. Numa cena pictórica uma sensacional nave espacial surge do alto em frente aos seus olhos.