sexta-feira, 4 de junho de 2010

Love Story Mexicano


Juanita era uma linda mexicaninha adolescente, tinha cabelos escuros e brilhantes como as teclas menores de um piano e a pele sedosa e jumbo, dando a impressão que estivesse sempre saindo encharcada de uma xícara gigante de café com leite. Educada como a maioria das pequenas meninas de San Martin, Juanita tinha um comportamento tímido e recatado. O maior sonho daquela bela garota de olhos graúdos feitos dois potes de mel e face desenhada por compasso, era ter um casamento feliz com filhos saudáveis com um homem trabalhador e honesto.

Foi numa festa de Dia dos Mortos que ela conheceu aquele que mudaria pra sempre seu destino. Com uma calça extravagante listrada e uma camisa salmão, Pedro Henrique surgiu dentre as bandeirolas coloridas, impactante como o príncipe dos príncipes. Eram antagônicos as cores e o tecido singular da sua vestimenta comparada com sua enclausurada e prisioneira timidez. Pedro Henrique tinha uns 17 anos e era o embaraço personificado em toda sua excelência. Garoto educado, com linguajar por se dizer até surpreendente para sua idade. Um romântico daqueles mais clássicos. Seu coração com certeza não seria algo como um punho sangrento dentro do peito e sim aquele coração clichê vermelho acetinado tão comum em cartões de dias dos namorados.

Juanita o viu de longe, perto da barraca das Maças do Amor. Mas que tapa violento sentiu. Aquele quadro vivo só faltou gritar aos seus ouvidos:

- Eis seu príncipe, eis aquele que certamente foi seu pedaço em outra encarnação. Eis aquele que na festa dos mortos veio fazer nascer uma nova Juanita. Não existia qualquer sombra, não existia qualquer duvida. A lua daquele cenário na verdade virou sol, era paixão avassaladora.

No entanto como em toda paixão platônica o obvio nunca acontece e o fácil nunca é o certo. Juanita digeriu aquele encanto e ao invés de aproximar escondeu-se por detrás do carrinho de pipocas. Carmencita a amiga inseparável e astuta percebeu todo aquele ato e tomando a companheira pelos braços avisou:

- Vai lá, fala com ele. Apresente-se.

Nesse momento apareceu no terreno o temido Sr. Astolfo, homem gordo e rude de olhar sisudo sob grossas e arrepiadas sobrancelhas. Astolfo, pai de Juanita cuidava da filha como uma onça cuida de seus filhotes. Sua menina seria menina enquanto vivesse sob a aba de seu chapéu revestido de couro. Com um pai daqueles, e sem mãe, a menina com certeza teria sérias dificuldades em conseguir desaninhar. Pois esse iceberg de dificuldades mesmo assim pareceria um agradável caminho de seixos frente ao amor despertado no coração da jovem morena. Sob o queixo do pai, a garota desafiou o perigo e dali ficou observando seu Pedro Henrique mais adiante. Todos olhavam os coloridos fogos de artifício, mas Juanita nem ouvia os estouros.

Nem foi preciso a moça se aproximar do rapaz. Num rojão que ricocheteou pelo ar o olhar de Pedro acabou cruzando com aquela que lhe paquerava. Foi maior que todos aqueles fogos juntos. O menino sentiu a vertigem correr todas as suas veias. Como era linda, um doce da cor de uma bala de leite, certamente naquela noite ela estava no auge de sua beleza. Vejam só que estranho, ele nunca a tinha visto e sentiu que ali ela estava no auge de sua beleza. Aproximou como que hipnotizado atropelando pelo caminho a própria timidez. Ficou segundos olhando para aquele rosto angelical numa distancia que poderia tocá-lo. Nem percebeu a fumaça que saia do nariz do touro que presenciou todo o sublime momento, o touro de chapéu de couro, o touro de olhar sisudo, o touro que se chamava Astolfo.

Num ato repentino e bestial, o velho Astolfo pegou uma panela de vinho fervente de uma barraca de quentão e jogou no rosto do inocente rapaz. Foi algo grotesco, um movimento animal, de uma brutalidade inexplicável. Com a mão no rosto o pequeno e atordoado Pedro caiu de joelhos no chão. Houve uma grande confusão, policiamento, empurra-empurra, gritos e correria. Ninguém nunca poderá responder qual a dor maior, se a angustia sufocante de Juanita ou a absurda ardência nos fumegantes olhos de Pedro Henrique. A verdade é que ele perdeu a visão e ela a voz, tamanho o seu estado de choque.

Aquela noite foi muito comentada. Ninguém nunca percebeu a verdadeira vítima daquela Festa dos Mortos. O amor ali foi agredido por uma estúpida ignorância. O tempo passou, foram dias, meses e anos.

....

O escuro bar tinha pouco movimento. O forasteiro pediu um pequeno copo de conhaque, encostou-se no balcão e ficou observando o discreto palco. Ali sentado sobre uma cadeira de palha e um acordeão no colo um homem cantava uma triste e bonita canção de amor que dizia sobre uma mulher de olhos e cabelos negros. O forasteiro percebeu também que uma mulher ficava sentada bem em frente ao cantor com os olhos cheios de lágrimas. Num gesto típico questionou o barman, que lhe disse:

- Ela sempre fica ali, admirando esse cantor. Nem sei se ela sabe que ele é cego. Nunca abriu a boca pra dizer nada.

O forasteiro tomou mais um gole do conhaque, entregou uma moeda ao homem do balcão e saiu do bar seguindo sua vida. Na sua cabeça aquela triste canção de amor ficou por muito tempo ecoando.