terça-feira, 11 de outubro de 2011

Tony e Country


Parecia que todos no colégio só falavam no tal duelo que se travava nas ultimas semanas nas redes virtuais da internet. Até mesmo os professores mais chegados participavam nos intervalos, das rodas de discussão sobre as razões ou não dos popularíssimos Tony e Country. Os dois avatares, cada qual no seu jeito, pareciam ter conquistado cada sala, cada corredor, cada canto, cada coração e mente da pequena escola Joana de Gusmão. Rubinho, um mulatinho de jeito tímido e aparência franzina bem que tentava participar daqueles fóruns, mas sempre era sufocado ou ridicularizado pelos demais.

Alguns professores criticavam a voracidade que a internet e suas redes sociais invadiam o cotidiano normal e real dos alunos. Para eles, essas comunidades pariam uma frieza inaceitável nas relações e jamais poderiam substituir daquela forma tão abusada, a natureza humana nas convivências. Preocupavam-se com a possibilidade de que essa modernidade não fosse algo tão inofensivo quanto pregava outra corrente de docentes. Uma bandeira levantada por esse primeiro grupo trazia a questão da escrita, e a conhecida forma de se expressar no universo dos jovens internautas, onde o português era torturado, violentado e assassinado nas mais diversas e esdrúxulas formas de se escrever qualquer palavra.

O segundo grupo de professores mostrava-se mais tranqüilo e digeria toda aquela cena, apenas como mais um episódio de uma natural evolução social. Estes carregavam bem menos nas tintas quanto ao português e diziam que a questão do humanismo era algo complexo demais para ser controlado via limitações ao alcance das redes de relações virtuais. Para eles, essa luta era murro em ponta de faca.

Humanismos a parte, a verdade é que em se tratando do português ou da forma de se expressar, os embates de Tony e Country superavam isso. Tony com sua liberdade e vanguardismo latejante tinha um estilo todo peculiar. Ele não criava palavras novas ou bobas como geralmente se vê nesses universos net-literários. Sua dialética era popular sem ser pobre, sabia descrever suas idéias com uma habilidade ímpar onde qualquer leitor preguiçoso poderia ler longos textos sem sentir qualquer enfado. Seus textos geravam prazer na leitura de qualquer um, algo como um jardineiro que consegue fazer brotar um jasmim num terreno de pedregulhos. Country por sua vez era nada coloquial. Um verdadeiro aparelho de emissão de palavras e expressões exatas. Era incrível sua capacidade de escrever de forma corretíssima, quase matemática. Era como se o texto todo fosse uma só palavra e que uma vírgula ali modificada seria sentida a quilômetros de distância destruindo todo o sentido da coisa. Sem duvida Country era uma espécie de general, reacionário, conservador e líder de um pelotão fiel de letras, palavras e grafias.

Quantos momentos foram exaltados nesses encontros e discussões daqueles dois nicks no universo daqueles alunos. Quem não ficou de boca aberta com a visão de Religião de Tony, quase parecendo um anticristo e usando toda a lógica e ciência para derrubar muralhas de conservadorismo. Em contra partida, Country surgiu como um cavaleiro das cruzadas, armado até os dentes com argumentos sólidos de espiritualidade e da essência das mensagens bíblicas e sua verdadeira necessidade perante a sobrevivência ou viabilidade de um mundo civilizado.

Outra grande batalha foi o choque das idéias quanto ao Capitalismo de Tony contra o Socialismo de Country. O primeiro evocou como argumento a própria natureza humana no sentido de que não haveria Santo no mundo que pudesse brecar os limites do poder do capital. Country contemporizou mostrando que essa aparente solidez, do dito regime dominante, não passava de um tecido de bolhas, onde mais cedo ou mais tarde todas teriam murchado ou estourado. Seria apenas um momento e o Socialismo seria apenas um urso adormecido.

Então era assim que as conversas ou debates de Tony e Country vinham brotando diariamente na rede social e todos naquela cidade e até em outras seguiam os dois oráculos como se acompanhassem uma novela emocionante, tomando suas decisões, ora para um lado, ora para outro, ora para a dúvida. Nas pautas, os temas abordados sempre eram delicados e muitas vezes polêmicos: Aborto, Armas, Censura, Pena de Morte e muitos outros.

Naquela semana em especial o alvoroço era grande, pois os dois “gladiadores” teriam marcado definitivamente um encontro físico no pátio do colégio. As expectativas eram tão intensas que até mesmo as aulas foram pausadas minutos antes do horário estabelecido. Por isso o burburinho era fumegante e lá no meio daquelas panelas de conversa, o pequeno mulato Rubinho nunca tinha vez e nem mesmo era percebido. Ele pedia timidamente espaço e não conseguia participar de nenhuma roda. A verdade é que todos esperaram por cerca de 40 minutos e ninguém surgiu para assumir as famigeradas identidades.

Todos ficaram frustrados e dentre eles Rubinho é o que parecia mais triste. O mulatinho chegou em casa cabisbaixo e nem deu oi para a mãe. Subiu as escadas trancou-se no quarto e digitou no seu computador:

Country: Prezados colegas, hoje eu gostaria de falar sobre Bullying.

Em seguida abriu outra janela no seu monitor e escreveu:

Tony: Veja bem Country! A questão é: Onde nasce o Bullying? Será que o problema não é um pouco mais familiar do que escolar? Quem tem culpa? Os garotos gozadores ou o garoto alvo? Ou será que isso tem mais a ver com os mais velhos que convivem com essas pobres crianças?