sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Suplício

Assim que adentrou pela grande porta dourada a mulher lembrou o que aconteceu. Veio a sua mente o rosto de uma criança olhando para ela segundos antes do acionamento e da explosão. Foi interrompida por um homem vestido com roupas leves de linho branco.

- Senhora por aqui, sente-se lá naquela cadeira à esquerda, por favor.

A mesa enorme, parecia esculpida em penedo. Tinha muitas cadeiras distribuídas ao seu redor, quase todos os lugares estavam ocupados. Percebeu que alguns falavam alto, outros nem tanto e diversas eram as línguas. Percebeu alguns demonstrando desanimo com a cabeça entre as mãos apoiadas sobre a superfície do rochedo. De modo geral estavam todos muito desgastados, com olheiras e despenteados. Daria para apostar que não dormiam há muito tempo.

Havia ali uma extensa gama de tipos, gente com cara de importante com notas de dinheiro amassadas e caindo dos bolsos de seus surrados ternos, outros aparentando mais humildes e mostrando indiferença ao estado pútrido de suas vestes. Mulheres com belas roupas e, no entanto com faces resignadas e exaustas. Jovens com cara de velhos e velhos com cara de mortos. Sem duvida uma reunião de desgraçados.

Não conseguiu identificar exatamente o contexto do assunto daquele soturno conclave, mas percebeu que não havia acordo nenhum. Uns citavam escrituras, outros faziam não com a cabeça. Na cabeceira um senhor muito velho, que parecia um mestre, mirava a todos com um olhar distante e frio. Este indivíduo de vestimenta aveludada e vermelha, com o rosto parcialmente oculto sobre um pesado capuz tinha ao seu lado um capataz gigantesco, sujeito amedrontador com mandíbulas ressaltadas, sobrancelhas peludas, dorso e braços fortes como guindastes. Nas descomunais mãos desse monstruoso homem pendia um ensangüentado chicote com pequenas limalhas de ferro na ponta.

Um pequeno sujeito de turbante quadriculado e componente da mesa, hora se exaltou e deu um empurrão noutro que lhe dizia algo. Na mesma hora o gigante brandiu o forte braço esquerdo e aplicou uma violenta e estúpida chicotada nas costas do miúdo. O sangue espirrou no rosto de outro infeliz sentado mais a frente.

O velho encapuzado então bradou com voz firme.

- Sem consenso geral, não haverá encerramento dessa reunião.

Em seguida a mulher, ainda confusa, sentou-se no seu lugar e olhou mais detalhadamente a volta. Viu que o lugar era muito mais que desagradável. Não havia cor, não havia qualquer coisa que lembrasse vida, a não ser aquelas tristes pessoas da mesa. Percebeu então que tanto na sua retaguarda como nas costas de todos havia uma pequena janela.

Pela abertura lá fora viu pessoas caminhando, correndo e sorrindo. Eram adultos, crianças e idosos confraternizando alguma coisa. Crianças soltavam pipas, jovens corriam de bicicleta, outros conversam assuntos leves e descompromissados. Não tinham expressões pesadas, pelo contrario pareciam viver um eterno bem estar. Olhando por mais tempo reconheceu, dentre os tranqüilos, sua mãe. A velha e saudosa Mama estava lá sorrindo e conversando com outra senhora.

- Mama, Mama! Tentou gritar.

No mesmo instante sentiu uma espécie de rasgo tomar-lhe o pescoço. A dor foi como se uma peçonhenta cobra cravasse e arrastasse suas presas por toda sua coluna. Sentiu-se zonza e chegou a saborear o gosto de sangue na boca. Tossiu e ainda conseguiu virar o rosto pra ver o gigante afastando-se com o chicote pingando um grosso caldo carmim. Até tentaria dizer alguma coisa, mas a insuportável dor do açoite e uma nova intervenção do velho encapuzado não deixaram.

- Mulher. Estas aqui para o consenso. Nada de descontração. Vire-se para a mesa!

A mulher sentiu o sangue ferver, mas a dor ainda era soberana. Sua Mama estava ali fora feliz as suas costas, Mama querida que os malditos soldados assassinaram, e ela nem poderia trocar um aceno? Estava revoltada, e mais do que isso estava começando a entender. O temor foi invadindo seu coração como uma névoa fumegante e venenosa.

Os berros, insultos e chicotadas continuavam na sala. Na grande porta dourada uma palavra respondia tudo: Inferno.

...

No jornal da banca, um pequeno órfão viu a foto da sua mãe. Na legenda da foto ele não entendia o que estava escrito, era pequeno e ainda nem sabia ler.

“Dimitra Shanakowa é a suposta Mulher Bomba do ataque no metrô que matou mais de 30 pessoas.”