terça-feira, 14 de julho de 2009

o rei e o diabo


Era uma vez um jovem muito angustiado com a opressão de seus pais e seus irmãos. Ele era o mais novo e franzino, no entanto sua presença em qualquer ocasião festiva sempre causava mais encanto que os demais. Seu pai aproveitava-se desse brilho juvenil e explorava ao máximo e sem limites a imagem do pobre rapaz, os irmãos invejosos faziam pouco e sempre que possível o tratavam com indiferença. Tal qual a história de José, um dia esse menino foi dado aos faraós. Foi lançado ainda imaturo num buraco cheio de lama, cobras e escorpiões.
Foi nesse escuro buraco que o jovem conheceu um demônio ardiloso chamado Yenom. O pequeno e capcioso diabo ofereceu um mundo aos pés do pequeno rapaz. Para isso ele teria de ir a um cemitério e acordar os mortos.
Não foi difícil encontrar um conjunto de tumbas e sarcófagos e então emitir os sons certos. Logo os maltrapilhos cadáveres já obedeciam todos os passos do novo príncipe das trevas. De fato os tempos já não seriam os mesmos para o antes angustiado rapaz. O mundo caiu aos seus pés. Em todos os cantos da terra sua imagem foi elevada sob raios de luzes e canhões de lasers. Todos agora estavam submissos. O príncipe em poucos dias transformara-se num rei.
Porém o perigoso Yenom sempre cobra seus serviços. O tolo e deslumbrado garoto nem percebeu esse item do contrato. O diabo todas as noites sugava um pouco do sangue, um pouco da energia e até da cor daquela pobre alma. A negociação tinha sido cruel: Faça papel de zumbi uma vez e pra sempre serás um zumbi.

A voracidade da glória só foi menor que a violência da queda. Seu rosto estava murchando ano após ano. Seus cabelos tornaram-se ridiculamente falsos, sua presença patética. As pessoas viam lá dentro de seus olhos um menino apavorado. Logo, logo o que era inevitável aconteceria. Ele voltaria a ser humilhado. Os irmãos voltariam a rir de sua cara e de novo estaria num buraco escuro com cobras e escorpiões. Não importava mais o que ele fizesse. O negócio agora era o que diziam dele. E multidões apontavam e jogavam suas maldosas palavras e condenações. Yenom, com um sorriso maléfico no rosto olhava tudo de longe em sua fumegante banheira de enxofre.

Yenom, entretanto não percebeu que algo poderia ter saído errado em sua brincadeira. Sua mãe, a Morte, percebeu a maldade gratuita do filho e resolveu entrar em ação. Num dia qualquer, quando quase ninguém mais pensava no pobre condenado, desceu de seu castelo e tomou o miúdo homem no colo. Quando a mãe de um diabo resolve agir, nem mesmo o destino pode ser mais forte que suas intenções. Num movimento único de sua foice, a Morte cortou de milhares de corações as agruras, esquisitices e condenações ao falecido. A Morte tem essa mania: Ela leva a alma, mas deixa a essência, e na essência coisas sujas desaparecem e coisas boas se multiplicam.

O rei voltava com tudo. Sua majestade era entendida, sua pose absolutamente respeitada, suas falhas amenizadas e seu talento, seu talento estava soberano, imponente, fazendo sombra ao agora pequeno e assustado Yenom.

O pequeno diabo nem se ateve, mas no fundo no fundo, foi o jovem príncipe que lhe passou a perna. Trocou sua angustia juvenil pela glória eterna.