A sineta toca.
O homem trajado confortavelmente com seu moletom olha pelo olho mágico. Parece um rapaz. Ao abrir, percebe que o visitante não era assim tão jovem como parecia. Devia ter uns 25 anos.
- O que deseja? Pergunta.
- O Senhor é o dono do cinema localizado no bairro de Campinas? O Cine Europa?
- Sim. Algum problema? Aliás, porque o porteiro não avisou?
- Desculpe senhor. O Porteiro tentou, mas o interfone parece estar com algum problema. O senhor pode conversar agora?
O homem pensou por um instante e perguntou:
- Qual seria o assunto?
- Eu gostaria de conversar com o senhor sobre um filme.
Agora mostrando um pouco de impaciência o homem emendou:
- Meu caro. O que houve? Sou apenas o dono do cinema. Você teve algum problema com algum empregado ou coisa parecida?
- Não senhor. Foram todos muito educados comigo. Eu gostaria de falar sobre o filme mesmo. Eu não gostei do filme.
Agora já elevando o tom da voz e deixando claro certo aborrecimento, o homem fechou a porta dizendo:
- Haja paciência. Rapaz vá ver se eu estou na esquina.
E ainda pensou.
- Só o que me faltava. Agora as pessoas virem a mim pra dizer que não gostaram de um filme.
Não deu quatro passos e a sineta tocou novamente.
Irritado voltou e de supetão abriu a porta pronto para gritar com o visitante. Não conseguiu. Logo que abriu a porta, dois canos de um rifle beijaram sua boca.
A revolta agora tinha sumido. Com a arma enfiada entre os dentes o homem era a imagem do pavor. Vagarosamente o invasor foi adentrando o apartamento. Fez um sinal e o homem entendeu que seria para sentar-se na poltrona branca da sala. O rapaz voltou com a arma ainda apontada e trancou a porta. Em seguida sentou-se num sofá próximo e de frente ao homem, dizendo:
- Acho que agora poderemos conversar.
O homem agora parecia menos assustado, mas ainda tinha os olhos vigilantes e preocupados. Com a voz meio embargada tentou dizer algo:
- O que você quer?
- Falar sobre o filme que não gostei.
Silêncio.
O perturbado rapaz então aproximou novamente a sua arma, dessa vez apontando para a testa do homem.
- O senhor está sozinho. Eu sei disso porque vi sua mulher saindo agora a pouco. Ela pode voltar a qualquer momento. Portanto vou tentar ser breve, o contrário daquele filme arrastado.
- Eu não estou entendendo! Disse o homem, sendo logo interrompido aos gritos pelo invasor:
- Quem não entendeu nada fui eu seu filho da puta!
O rapaz então encostou o cano do rifle na testa da confusa e apavorada vítima.
- Não vai perguntar de qual filme estou falando?
Nervoso o homem nem conseguiu proferir qualquer palavra.
- Você deve estar incomodado com esse cano na testa. certo? Aliás, você deve estar pensando por que esse cano está quente? Se você perguntar ao porteiro, com certeza ele não vai lhe responder nada. Completou o doente com um sorrisinho emblemático no rosto.
O insano rapaz depois de desesperadores e nauseantes segundos roçando a arma acima dos olhos do homem, dá uma pequena trégua, afasta a arma e diz:
- Violência Gratuita.
Percebendo o olhar perdido do agora desfigurado anfitrião, ele completa:
- Esse foi o filme. Violência Gratuita. Você sabia que eu poderia processá-lo? Eu paguei pela aquela merda de filme, e ali escrito bem grande no cartaz estava a palavra Gratuita.
Naquela situação tão surreal, o homem ergueu os vermelhos olhos e conseguiu rosnar algo:
- É esse o problema? Você quer dinheiro?
O jovem aos berros emendou:
- Claro que não seu idiota. Eu sei muito bem que o nome do filme é apenas o nome do filme. Eu sei que o termo Violência Gratuita não necessariamente tenha a ver com pagamento ou não. Eu não sou um débil mental. Estúpido é você que pensa que pode exibir um lixo daquele e sair imune. Eu apenas fiz uma piadinha. Igual ao filho da puta do filme.
O homem ainda conseguiu ter voz pra dizer:
- Por favor, não faça nada que se arrependa. Você está alterado, é apenas uma ficção. Não deixe que uma bobagem dessas estrague sua vida.
O diabólico solta uma gargalhada ensandecida e fala:
- Você é tão idiota.
Em seguida puxa o gatilho e faz a cabeça do homem explodir igual a um tomate. O sangue chega a sujar a própria face do homicida.
O corpo do homem fica dependurado sobre o braço do sofá agora branco e carmim. No seu pescoço apenas um pedaço da cabeça e acima um trapo de carne representa o que um dia foi um crânio. Os olhos estão inundados por um grosso sangue que pinga freneticamente no tapete.
O rapaz levanta-se, segurando o rifle com os cano ainda fumegante, olha o próprio reflexo no vidro da janela e sai.
Já nos corredores do prédio ele tira um pedaço de papel do bolso. Ali escrito uma seqüência:
dono do cinema,
diretor,
roteirista,
produtor,
ator ...
Com um pouco de sangue ele risca o item dono do cinema.
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Conto inspirado, baseado, vomitado após ver filme "Violência Gratuita (Funny Games US) - 2008.
4 comentários:
Que heavy metal! Sangue respingando, pedaço de cabeça! Cheguei a pensar que tivesse sido ispirado em "Os fracos não têm vez", ou no assassinato do Kennedy! Mas cadê o "fumegante"? Talvez na fumacinha que deve ter saído do cano da arma!
"O rapaz então encostou o fumegante cano do rifle na testa da confusa e apavorada vítima."
de qualquer forma, eu passei o fumegante para o final. De fato estava mal colocado ali.
hehehe
valeu.
Bom! Agora sim! A propósito, não vi o filme "Funny Games US"...
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