quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Segredo


Douglas completará 11 anos de empresa na próxima terça feira. Ainda lembra com certa emoção do dia em que foi chamado no concurso público que prestou. Tinha ficado na octogésima oitava colocação. Muita gente entrou naquele ano.

Era mais de uma década e o maior fardo nesse tempo todo foi guardar o grande segredo da firma. Não era fácil chegar todos os dias em casa e nunca compartilhar com mulher e filhos um grande detalhe de seu cotidiano na corporação.

Um dos momentos mais dramáticos foi há alguns anos quando teve de ir à escola do filho para apresentar o que fazia da vida. Nas semanas antecedentes teve que praticamente aprender a arte da dramaturgia e interpretar um cidadão que trabalhava com recursos humanos ou capital intelectual, uma apresentação pra lá de genérica e prolixa. No final deu tudo certo, e todos acabaram convencidos, mesmo que pelo tédio, de que Douglas era um analista “sócio-econômico”.

Não dava pra negar que no decorrer do tempo Douglas foi se especializando nessa artimanha de esconder esse grande mistério e em certo momento ele até se sentia normal. Para combater as agudas crises de culpa ou os arrastados momentos de angustia, ele tinha criado pra si mesmo alguns disfarces elaborando um cronograma minucioso com todas as etapas possíveis. Aliás, era fantástico o que já existia, nesse sentido, naquele mundo corporativo. Era inacreditável que um universo de outros envolvidos já tinha tudo sob controle. O segredo, na verdade, nem era tão secreto assim. A confraria envolvida tinha uma representatividade absurda e em poucos anos seria mais adequado que aquilo pudesse ser chamado de Máfia.

Workshops, Benchmarking, Seminários, Multiplicadores, Facilitadores, uma série de desígnios picaretas que só serviam para dissimular o grande coelho escondido na cartola de cada cúmplice ou infeliz envolvido.

Era dureza para Douglas esconder de sua família, por tanto tempo, algo tão relevante, no entanto era exatamente para protegê-los que ele tinha de agir assim. Apavorava pensar no que poderia acontecer aos seus entes queridos caso o disfarce fosse revelado e a confraria descobrisse isso.

Douglas lembrava claramente do soturno momento em que um grupo de homens fortemente armados e vestidos com roupas camufladas invadiram sua baia e ordenaram que ele se juntasse a outros na sala de reuniões. Foi a revelação para os novos integrantes concursados. Eram cerca de duzentos novos empregados todos espalhados pela grande sala. Um grandalhão com bigode de general tomou a palavra e de forma seca e direta contou a todos o verdadeiro “serviço” a ser realizado. A explanação causou um burburinho logo contido pelas pancadas do sujeito com um grande cassetete na mesa.

- Acham ruim?! Querem sair?! Aviso a vocês que podem até sair, mas essa informação é altamente confidencial e deve morrer aqui dentro. Nós temos todas as informações sobre vocês: endereço, familiares etc.

Disse o “general” em tom ameaçador.

Sobre o objetivo de tal situação ele confidenciou que eram ordens políticas superiores e isso não se discutiria mais.

Agora prestes há completar uma década e um ano naquela instituição, Douglas resolvera fazer o que não agüentava mais esperar. Revelaria para sua mulher, tão grotesco segredo.

Aguardava a esposa com um fumegante cappuccino na sua frente e ela chegou pontualmente no horário combinado. Estava assustada pelo tom de voz de Douglas no telefonema de horas antes.

- O que foi querido? O que tem de tão importante pra me dizer? Ela foi logo perguntando.

- É sobre meu trabalho querida.

- O que houve?

- Eu preciso lhe dizer o que verdadeiramente eu tenho feito nessa última década.

- Não estou entendendo. Você não trabalha no RH, não analisa...

Ela foi logo interrompida pelas palavras e pelo olhar vazio do marido.

- Querida, eu na verdade não faço o que tenho dito que faço por todos esses anos.

O silêncio e o olhar aterrorizado dela pareciam autorizar que ele continuasse:

- Querida! .... Eu não faço .... nada!

Um comentário:

Anônimo disse...

hahahaha...