terça-feira, 8 de novembro de 2011

Saudade de Laguna


A menina agitada, implora com o pai para brincar com ela. O homem sentado e petrificado como um Abraão Lincoln tem os olhos quase que estagnados na televisão. Depois de alguma insistência ela sai da sala, cabisbaixa e desanimada. Na TV o intervalo do jogo. Um domingo agradável lá fora, um entardecer típico de primavera. O homem levanta o corpo dormente, caminha até a sacada e escuta baixinho o choro de um bebê. Deve ser o vizinho. Pensa. O choro para. Respira fundo para curtir aquele típico silêncio dominical das ruas.

Percebe que esse pseudo-silêncio é quebrado agora por um ruído melódico. É algo com um tom familiar. Aguça o ouvido, mas ainda não consegue decifrar. Entra, coloca a TV no mute e volta para fora. Agora consegue ouvir melhor. Um floreio de violino, um pequeno dedilhado de violão e enfim o triunfal som de um acordeom. Entrou no ouvido, mas, fumegante, foi direto aquecer seu coração. Fechou os olhos e sentiu uma lufada de nostalgia no rosto. Puxou na memória o dia no calendário. Incrível. 10 de Novembro. Coincidência? Claro que não. Era um sinal. Um sinal de que estava fazendo a coisa errada.

Foi rápido até o quarto e disse para a filha.

- Arrume-se vamos sair.

- Aonde vamos papai?

- Você não queria brincar? Pois eu tenho uma “montanha mágica” pra te mostrar.

A menina animada foi procurar outra roupa com a ajuda da mãe. O homem foi até o sótão e vasculhou em caixas velhas. Fuçou dali, Fuçou daqui e finalmente encontrou. Acho que era essa. Pensou.

Nas mãos uma fita cassete toda amarelada. Pensou o quanto seria mais fácil se soubesse o nome daquela música. Pelo menos lembrava que era a primeira da fita.

A filha já lhe aguardava pronta.

- Por favor. Nós temos acolchoados em algum lugar? Perguntou à esposa.

- Acolchoado? Como assim?

- Deixa pra lá. Respondeu o homem reconhecendo que sua pergunta era um tanto quanto estranha.

Foi então até o quarto e pegou tudo que podia: Cobertor, sono-leve, colchas, travesseiros e almofadas.

A mulher atrás não podia deixar de perguntar;

- Que tolice é essa? Aonde vais com isso?

- Eu vou trazer tudo de volta. É só um empréstimo. A mulher muito mais pela curiosidade do que por qualquer outro motivo calou-se.

Ele levou tudo até a garagem, baixou os bancos traseiros do carro e foi jogando tudo que colheu naquele espaço. Teve que apelar com as almofadas da sala, os travesseiros da filha e até alguns bichos de pelúcia. Olhou para aquela “montanha” e pensou o quanto as coisas deveriam ser diferentes do que hoje sua memória lhe trazia. Deu um pequeno sorriso no íntimo por isso.

- Suba! Disse para a menina.

A menina de 5 anos desconcertada, não entendeu direito, ou pelo menos não acreditava no que ela poderia ter entendido.

- Vai menina suba! Não quer brincar? Sobe ai em cima da nossa “montanha”.

A menina num suspiro de felicidade e diversão, nem pensou de novo. Num segundo, estava jogada com os braços abertos em cima daquele monte de coisas fofas.

O Homem pegou um toca fita portátil à pilha entrou no carro, ligou o motor e olhou para a mulher que estava, ali fora, com outra criança no colo.

- Entra ai vai! Venham brincar também.

Sem ter nada a perder a mulher entrou no carona.

Em minutos estavam trafegando nas ruas de paralelepípedo que ligavam à cidade vizinha. O toca fita tocava alto o som daquele choro instrumental, mais precisamente a deliciosa melodia de Pedro Raymundo e sua gaita. A mesma canção que ele ouvirá momentos antes na sacada. A mesma música que seu pai ouvia muitas vezes no toca fitas do carro enquanto ele, garoto, vinha atrás deitado sobre uma montanha de colchões de chitão, sentindo aquele cheiro forte do tecido e olhando as luzes dos postes que passavam através da janela do carro.

Parecia um sonho. Um fragmento do tempo captado pela musica, o trepidar do carro nas curvas daquelas modestas ruas. A mulher ao lado apesar de não entender direito o que acontecia se divertia olhando a felicidade da menina deitada ali atrás, livre, solta e ao mesmo tempo tão segura e confortável.

Pela janela traseira do carro a menina olhava o céu já escuro e estrelado e as luzes dos postes que deixavam para trás um caminho. Um caminho sem volta e que com certeza jamais seria esquecido.

No peito do homem; Saudade do pai. No alto-falante; “Saudade de Laguna”.

2 comentários:

Regina Pretto disse...

Passou na Izaurita,comprou algumas balas ,deu pra menina ,que voltou pra casa toda contente ,com seu passeio na Barra do Aririu!!

Vitor P Jr disse...

boa boa :)

obs - ja arrumei o "auto-falante" para "alto-falante" (feio) hahahaha