domingo, 22 de janeiro de 2012

FIM

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Saudade de Laguna


A menina agitada, implora com o pai para brincar com ela. O homem sentado e petrificado como um Abraão Lincoln tem os olhos quase que estagnados na televisão. Depois de alguma insistência ela sai da sala, cabisbaixa e desanimada. Na TV o intervalo do jogo. Um domingo agradável lá fora, um entardecer típico de primavera. O homem levanta o corpo dormente, caminha até a sacada e escuta baixinho o choro de um bebê. Deve ser o vizinho. Pensa. O choro para. Respira fundo para curtir aquele típico silêncio dominical das ruas.

Percebe que esse pseudo-silêncio é quebrado agora por um ruído melódico. É algo com um tom familiar. Aguça o ouvido, mas ainda não consegue decifrar. Entra, coloca a TV no mute e volta para fora. Agora consegue ouvir melhor. Um floreio de violino, um pequeno dedilhado de violão e enfim o triunfal som de um acordeom. Entrou no ouvido, mas, fumegante, foi direto aquecer seu coração. Fechou os olhos e sentiu uma lufada de nostalgia no rosto. Puxou na memória o dia no calendário. Incrível. 10 de Novembro. Coincidência? Claro que não. Era um sinal. Um sinal de que estava fazendo a coisa errada.

Foi rápido até o quarto e disse para a filha.

- Arrume-se vamos sair.

- Aonde vamos papai?

- Você não queria brincar? Pois eu tenho uma “montanha mágica” pra te mostrar.

A menina animada foi procurar outra roupa com a ajuda da mãe. O homem foi até o sótão e vasculhou em caixas velhas. Fuçou dali, Fuçou daqui e finalmente encontrou. Acho que era essa. Pensou.

Nas mãos uma fita cassete toda amarelada. Pensou o quanto seria mais fácil se soubesse o nome daquela música. Pelo menos lembrava que era a primeira da fita.

A filha já lhe aguardava pronta.

- Por favor. Nós temos acolchoados em algum lugar? Perguntou à esposa.

- Acolchoado? Como assim?

- Deixa pra lá. Respondeu o homem reconhecendo que sua pergunta era um tanto quanto estranha.

Foi então até o quarto e pegou tudo que podia: Cobertor, sono-leve, colchas, travesseiros e almofadas.

A mulher atrás não podia deixar de perguntar;

- Que tolice é essa? Aonde vais com isso?

- Eu vou trazer tudo de volta. É só um empréstimo. A mulher muito mais pela curiosidade do que por qualquer outro motivo calou-se.

Ele levou tudo até a garagem, baixou os bancos traseiros do carro e foi jogando tudo que colheu naquele espaço. Teve que apelar com as almofadas da sala, os travesseiros da filha e até alguns bichos de pelúcia. Olhou para aquela “montanha” e pensou o quanto as coisas deveriam ser diferentes do que hoje sua memória lhe trazia. Deu um pequeno sorriso no íntimo por isso.

- Suba! Disse para a menina.

A menina de 5 anos desconcertada, não entendeu direito, ou pelo menos não acreditava no que ela poderia ter entendido.

- Vai menina suba! Não quer brincar? Sobe ai em cima da nossa “montanha”.

A menina num suspiro de felicidade e diversão, nem pensou de novo. Num segundo, estava jogada com os braços abertos em cima daquele monte de coisas fofas.

O Homem pegou um toca fita portátil à pilha entrou no carro, ligou o motor e olhou para a mulher que estava, ali fora, com outra criança no colo.

- Entra ai vai! Venham brincar também.

Sem ter nada a perder a mulher entrou no carona.

Em minutos estavam trafegando nas ruas de paralelepípedo que ligavam à cidade vizinha. O toca fita tocava alto o som daquele choro instrumental, mais precisamente a deliciosa melodia de Pedro Raymundo e sua gaita. A mesma canção que ele ouvirá momentos antes na sacada. A mesma música que seu pai ouvia muitas vezes no toca fitas do carro enquanto ele, garoto, vinha atrás deitado sobre uma montanha de colchões de chitão, sentindo aquele cheiro forte do tecido e olhando as luzes dos postes que passavam através da janela do carro.

Parecia um sonho. Um fragmento do tempo captado pela musica, o trepidar do carro nas curvas daquelas modestas ruas. A mulher ao lado apesar de não entender direito o que acontecia se divertia olhando a felicidade da menina deitada ali atrás, livre, solta e ao mesmo tempo tão segura e confortável.

Pela janela traseira do carro a menina olhava o céu já escuro e estrelado e as luzes dos postes que deixavam para trás um caminho. Um caminho sem volta e que com certeza jamais seria esquecido.

No peito do homem; Saudade do pai. No alto-falante; “Saudade de Laguna”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Tony e Country


Parecia que todos no colégio só falavam no tal duelo que se travava nas ultimas semanas nas redes virtuais da internet. Até mesmo os professores mais chegados participavam nos intervalos, das rodas de discussão sobre as razões ou não dos popularíssimos Tony e Country. Os dois avatares, cada qual no seu jeito, pareciam ter conquistado cada sala, cada corredor, cada canto, cada coração e mente da pequena escola Joana de Gusmão. Rubinho, um mulatinho de jeito tímido e aparência franzina bem que tentava participar daqueles fóruns, mas sempre era sufocado ou ridicularizado pelos demais.

Alguns professores criticavam a voracidade que a internet e suas redes sociais invadiam o cotidiano normal e real dos alunos. Para eles, essas comunidades pariam uma frieza inaceitável nas relações e jamais poderiam substituir daquela forma tão abusada, a natureza humana nas convivências. Preocupavam-se com a possibilidade de que essa modernidade não fosse algo tão inofensivo quanto pregava outra corrente de docentes. Uma bandeira levantada por esse primeiro grupo trazia a questão da escrita, e a conhecida forma de se expressar no universo dos jovens internautas, onde o português era torturado, violentado e assassinado nas mais diversas e esdrúxulas formas de se escrever qualquer palavra.

O segundo grupo de professores mostrava-se mais tranqüilo e digeria toda aquela cena, apenas como mais um episódio de uma natural evolução social. Estes carregavam bem menos nas tintas quanto ao português e diziam que a questão do humanismo era algo complexo demais para ser controlado via limitações ao alcance das redes de relações virtuais. Para eles, essa luta era murro em ponta de faca.

Humanismos a parte, a verdade é que em se tratando do português ou da forma de se expressar, os embates de Tony e Country superavam isso. Tony com sua liberdade e vanguardismo latejante tinha um estilo todo peculiar. Ele não criava palavras novas ou bobas como geralmente se vê nesses universos net-literários. Sua dialética era popular sem ser pobre, sabia descrever suas idéias com uma habilidade ímpar onde qualquer leitor preguiçoso poderia ler longos textos sem sentir qualquer enfado. Seus textos geravam prazer na leitura de qualquer um, algo como um jardineiro que consegue fazer brotar um jasmim num terreno de pedregulhos. Country por sua vez era nada coloquial. Um verdadeiro aparelho de emissão de palavras e expressões exatas. Era incrível sua capacidade de escrever de forma corretíssima, quase matemática. Era como se o texto todo fosse uma só palavra e que uma vírgula ali modificada seria sentida a quilômetros de distância destruindo todo o sentido da coisa. Sem duvida Country era uma espécie de general, reacionário, conservador e líder de um pelotão fiel de letras, palavras e grafias.

Quantos momentos foram exaltados nesses encontros e discussões daqueles dois nicks no universo daqueles alunos. Quem não ficou de boca aberta com a visão de Religião de Tony, quase parecendo um anticristo e usando toda a lógica e ciência para derrubar muralhas de conservadorismo. Em contra partida, Country surgiu como um cavaleiro das cruzadas, armado até os dentes com argumentos sólidos de espiritualidade e da essência das mensagens bíblicas e sua verdadeira necessidade perante a sobrevivência ou viabilidade de um mundo civilizado.

Outra grande batalha foi o choque das idéias quanto ao Capitalismo de Tony contra o Socialismo de Country. O primeiro evocou como argumento a própria natureza humana no sentido de que não haveria Santo no mundo que pudesse brecar os limites do poder do capital. Country contemporizou mostrando que essa aparente solidez, do dito regime dominante, não passava de um tecido de bolhas, onde mais cedo ou mais tarde todas teriam murchado ou estourado. Seria apenas um momento e o Socialismo seria apenas um urso adormecido.

Então era assim que as conversas ou debates de Tony e Country vinham brotando diariamente na rede social e todos naquela cidade e até em outras seguiam os dois oráculos como se acompanhassem uma novela emocionante, tomando suas decisões, ora para um lado, ora para outro, ora para a dúvida. Nas pautas, os temas abordados sempre eram delicados e muitas vezes polêmicos: Aborto, Armas, Censura, Pena de Morte e muitos outros.

Naquela semana em especial o alvoroço era grande, pois os dois “gladiadores” teriam marcado definitivamente um encontro físico no pátio do colégio. As expectativas eram tão intensas que até mesmo as aulas foram pausadas minutos antes do horário estabelecido. Por isso o burburinho era fumegante e lá no meio daquelas panelas de conversa, o pequeno mulato Rubinho nunca tinha vez e nem mesmo era percebido. Ele pedia timidamente espaço e não conseguia participar de nenhuma roda. A verdade é que todos esperaram por cerca de 40 minutos e ninguém surgiu para assumir as famigeradas identidades.

Todos ficaram frustrados e dentre eles Rubinho é o que parecia mais triste. O mulatinho chegou em casa cabisbaixo e nem deu oi para a mãe. Subiu as escadas trancou-se no quarto e digitou no seu computador:

Country: Prezados colegas, hoje eu gostaria de falar sobre Bullying.

Em seguida abriu outra janela no seu monitor e escreveu:

Tony: Veja bem Country! A questão é: Onde nasce o Bullying? Será que o problema não é um pouco mais familiar do que escolar? Quem tem culpa? Os garotos gozadores ou o garoto alvo? Ou será que isso tem mais a ver com os mais velhos que convivem com essas pobres crianças?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Segredo


Douglas completará 11 anos de empresa na próxima terça feira. Ainda lembra com certa emoção do dia em que foi chamado no concurso público que prestou. Tinha ficado na octogésima oitava colocação. Muita gente entrou naquele ano.

Era mais de uma década e o maior fardo nesse tempo todo foi guardar o grande segredo da firma. Não era fácil chegar todos os dias em casa e nunca compartilhar com mulher e filhos um grande detalhe de seu cotidiano na corporação.

Um dos momentos mais dramáticos foi há alguns anos quando teve de ir à escola do filho para apresentar o que fazia da vida. Nas semanas antecedentes teve que praticamente aprender a arte da dramaturgia e interpretar um cidadão que trabalhava com recursos humanos ou capital intelectual, uma apresentação pra lá de genérica e prolixa. No final deu tudo certo, e todos acabaram convencidos, mesmo que pelo tédio, de que Douglas era um analista “sócio-econômico”.

Não dava pra negar que no decorrer do tempo Douglas foi se especializando nessa artimanha de esconder esse grande mistério e em certo momento ele até se sentia normal. Para combater as agudas crises de culpa ou os arrastados momentos de angustia, ele tinha criado pra si mesmo alguns disfarces elaborando um cronograma minucioso com todas as etapas possíveis. Aliás, era fantástico o que já existia, nesse sentido, naquele mundo corporativo. Era inacreditável que um universo de outros envolvidos já tinha tudo sob controle. O segredo, na verdade, nem era tão secreto assim. A confraria envolvida tinha uma representatividade absurda e em poucos anos seria mais adequado que aquilo pudesse ser chamado de Máfia.

Workshops, Benchmarking, Seminários, Multiplicadores, Facilitadores, uma série de desígnios picaretas que só serviam para dissimular o grande coelho escondido na cartola de cada cúmplice ou infeliz envolvido.

Era dureza para Douglas esconder de sua família, por tanto tempo, algo tão relevante, no entanto era exatamente para protegê-los que ele tinha de agir assim. Apavorava pensar no que poderia acontecer aos seus entes queridos caso o disfarce fosse revelado e a confraria descobrisse isso.

Douglas lembrava claramente do soturno momento em que um grupo de homens fortemente armados e vestidos com roupas camufladas invadiram sua baia e ordenaram que ele se juntasse a outros na sala de reuniões. Foi a revelação para os novos integrantes concursados. Eram cerca de duzentos novos empregados todos espalhados pela grande sala. Um grandalhão com bigode de general tomou a palavra e de forma seca e direta contou a todos o verdadeiro “serviço” a ser realizado. A explanação causou um burburinho logo contido pelas pancadas do sujeito com um grande cassetete na mesa.

- Acham ruim?! Querem sair?! Aviso a vocês que podem até sair, mas essa informação é altamente confidencial e deve morrer aqui dentro. Nós temos todas as informações sobre vocês: endereço, familiares etc.

Disse o “general” em tom ameaçador.

Sobre o objetivo de tal situação ele confidenciou que eram ordens políticas superiores e isso não se discutiria mais.

Agora prestes há completar uma década e um ano naquela instituição, Douglas resolvera fazer o que não agüentava mais esperar. Revelaria para sua mulher, tão grotesco segredo.

Aguardava a esposa com um fumegante cappuccino na sua frente e ela chegou pontualmente no horário combinado. Estava assustada pelo tom de voz de Douglas no telefonema de horas antes.

- O que foi querido? O que tem de tão importante pra me dizer? Ela foi logo perguntando.

- É sobre meu trabalho querida.

- O que houve?

- Eu preciso lhe dizer o que verdadeiramente eu tenho feito nessa última década.

- Não estou entendendo. Você não trabalha no RH, não analisa...

Ela foi logo interrompida pelas palavras e pelo olhar vazio do marido.

- Querida, eu na verdade não faço o que tenho dito que faço por todos esses anos.

O silêncio e o olhar aterrorizado dela pareciam autorizar que ele continuasse:

- Querida! .... Eu não faço .... nada!

terça-feira, 19 de julho de 2011

O Horror na Guerra


Hanna surgiu furtivamente pelo rombo da parede lateral do prédio em ruínas. Naquele momento ouvia-se só o som longínquo de uma sirene nas apertadas ruas e becos daquele bairro polonês. Os alemães ainda vasculhavam o que havia sobrado do verdadeiro arrastão de horror dentre os civis. Hanna certificava-se de que nenhum deles estava por ali. Dobrou o bilhete encardido e enfiou nos bolsos do casaco surrado. A madrugada estava gelada, e seus passos ecoavam a cada corridinha nervosa a procura de sombra para se esconder. No pensamento, numa fração, entendeu o viver de uma barata, correndo e se enfiando nos cantos com medo das botas nazistas.

Voltou a concentrar-se na missão. Apesar de saber de cor o endereço, volta e meia checava o bilhete com a informação. Valioso objetivo, ela tinha de ter o produto nas mãos.

Dali já avistava o prédio escolar de esquina, bem danificado por algum canhão do Fuhrer. Precisou ficar agachada na sombra, por pelo menos dez minutos, pois uma dupla de “capacetes de penico” passou conversando. O cheiro de urina daquele canto era tão forte que seus olhos ardiam.

Correu até o colégio destruído e atabalhoadamente jogou-se por sobre um pedaço de muro caindo muito perto de dois corpos mortos. Percebeu que se tratava de duas crianças. Segurou a revolta no peito junto com a vontade de vomitar.

Um avião passou voando baixo e o som deu-lhe um susto. No entanto sabia que nunca alguém enxergaria um inseto numa distância daquelas. Sim, um inseto, definitivamente sentia-se como um inseto.

- Ah se pelo menos eu tivesse asas como um pernilongo. Pensou.

Depois de mais algumas manobras dentre entulhos e corpos, avistou a pequena capela logo após o terreno do cemitério. Apesar das paredes tomadas por fuligem a pequena casa de orações estava de pé. Conforme instruído encontrou o esconderijo nos fundos, um buraco coberto por um pedaço de madeira. Deu duas batidinhas e sussurrou.

- Sou eu! Hanna! Wander que me mandou para pegar o Funcho!

Num minuto a madeira foi mexida por dentro e alguém apenas empurrou para fora um pacotinho de papel pardo do tamanho de um maço de cigarros.

Hanna com todo cuidado colocou o embrulho no bolso e começou seu retorno arrastando-se até o portão do cemitério adjacente, onde teve de pausar e fingir-se de morta, pois um pequeno pelotão e uma moto transitavam ali perto. Depois de fingir-se de morta pertinho da casa dos mortos e vendo que os nazistas haviam se distanciado resolveu se nomear zumbi e saiu numa pequena disparada de volta ao seu lar de escombros. Alguém dentre os alemães percebeu e logo tiros e gritos ecoaram na madrugada escura.

Ofegante, ela conseguiu camuflar-se num monte de lixo de fedor fumegante. O pior do momento já tinha passado, graças a Deus não havia sido ferida.

Finalmente depois da jornada de inseto conseguiu retornar ao seu cantinho de sobrevivência. Ali sua velha mãe esperava. No outro canto estava Wander e sua perna mutilada.

- Graças a Deus! Disse a velha com uma criança que chorava desesperadamente no colo.

- Trouxe o Funcho? Perguntou Wander.

Após resposta positiva, Wander lhe entregou uma caneca de lata com um dedo de água. Ali socaram o funcho e fizeram o que parecia ser um projeto de chá. Deram a criança. Em dois minutos o choro parou. Olharam-se incrédulos. Teria sido mesmo o efeito do chá? Será que as cólicas teriam sumido exatamente naquele momento por coincidência? Nada disso importava. Nem mesmo faziam questão de saber. Apenas deitaram-se todos agrupados e em silêncio.

De repente, Hanna ouve um ruído! Seu coração está disparado. Olha o bebê e suspira aliviada. Ele esta dormindo serenamente. O barulho, provavelmente, era apenas alguma metralhadora matando alguém na vizinhança.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Homens Trabalhando


De manhã na rua...

Chegamos cedinho no local, daria para ouvir o canto de um galo, se ali nas redondezas houvesse algum galo. Respiramos fundo aquele delicioso ar matinal. O céu rosado prometia um maravilhoso dia de sol. Na carroceria pegamos nosso material, ainda tive de voltar para pegar um cigarro no porta luva. No painel o retrato de meu filho parecia dizer: - Tenha um bom dia papai!Destrinchamos as amarras e levantamos a lona protetora. Lá estavam as ferramentas, os explosivos ao lado de nossas marmitas e lancheiras.

Ataulfo e eu pegamos com cuidado o material e levamos até a entrada do prédio. Ramirez, um pouco atrás, juntou as picaretas e os sacos de lixo. Observamos mais uma vez o entorno e curtimos o silêncio daqueles que ainda dormiam. Com certeza tínhamos inveja nos nossos corações.

Ramirez palpitou na distribuição das bananas enroladas em papel encerado. Coçando a cabeça Ataulfo achava melhor deixar tudo mais embolado. Ficamos naquela duvida por alguns minutos até que resolvemos por seguir nosso projeto inicial: Colocaríamos um pouco acumulado aqui e outro ali perto da parede.

O celular de Ataulfo tocou antes de iniciarmos. Era a patroa dele.

- Ok querida, eu vou passar no açougue sim. Eu não me esqueci do churrasco e do batizado não.

Ela disse mais algumas coisas e depois dos beijos ele desligou fazendo cara de pouco para mim e para o índio Ramirez.

O sol começava a surgir de verdade por detrás das edificações a leste. O calor do momento me fez retirar minha surrada blusa de mangas compridas.

Depois de locados, os preciosos cartuchos, cuidadosamente afastamos o dispositivo de ignição que estava preso por um fio. Ficamos cerca de 30 metros do local, atrás da nossa camionete.

Trocamos rápidos olhares e detonamos.

O som foi ensurdecedor. Corremos para ver por detrás da fumegante e fétida nuvem ocasionada. O rombo não tinha sido suficiente. Com as picaretas e machado seguimos nossa labuta. Ataulfo chegou rapidamente com os sacos.

....

A noite na TV:

- Um bando de vagabundos destruiu um caixa eletrônico com explosivos e marretadas. O Banco informou que cerca de R$ 60 mil reais foi roubado...

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Crime das amenidades


Entrou no ônibus e sentiu uma gotinha de felicidade ao ver que ainda havia lugar para sentar, pensou pela milésima vez o quanto de tempo na sua vida passou dentro de “latões” como aquele. Quanta gente falando sem parar desde as sete e meia da manhã. Refletiu: Uma das coisas que sua vida medíocre de passageiro lhe ensinou é que as palavras são extremamente inócuas naquele universo.

Lugar na janela, que maravilha. Poderia olhar ali fora e ver tudo, menos a realidade.

O zum, zum, zum, dos idiotas estava diluindo-se no seu pensamento. Ele não podia parar para pensar, pois se parasse o julgamento começaria.

Tarde demais.

- Meritíssimo! O réu esta sendo julgado por sua insistência com amenidades.

Um Oooh!! Foi ouvido, vindo do pequeno público.

- Amenidades! Que coisa! Cochichavam uns estúpidos lá no cantinho do tribunal.

O Juiz com desdém e um sorrisinho escroto na cara apenas olha com repugnância o tolo pensador de amenidades.

O Promotor continua com a voz alta.

- Todos seus irmãos agora estão curados da doença das amenidades. E esse infeliz continua a insistir com essa maldição.

- Ele é um completo idiota! Vociferou um homem de terno e notebook no colo.

- Um palhaço! Outro brandiu debaixo de seu cabelo espetado e besuntado de gel.

O réu apenas olhou de canto de olho e lembrou que detesta Max Gehringer. Até seu ódio é ameno. Odiar Max Gehringer é uma amenidade não?

O juiz bateu o martelo na mesa e exigiu ordem.

- Ordem! Ordem no tribunal. Chamem o advogado de defesa.

Lá no canto esquerdo levantou-se a figura patética do advogado de defesa. Um sujeito que traja uma vagabunda camisa pólo por fora da calça. Na cabeça um acetinado chapéu de bobo da corte.

- Meritíssimo! Quero dizer que a acusação ao réu é infundada, uma vez que o objeto da acusação está sendo distorcido.

O Juiz fez cara de pouco de com as mãos fez sinal para o bobalhão prosseguir.

O Advogadinho então perguntou a todos os presentes:

- O que vocês querem desse pobre looser? Será que não percebem que as amenidades são sua salvação? Vocês cobram uma postura estupidamente séria e respeitável com que intenção? Meu cliente, não é um desigual. Ele apenas optou em ser ameno. Ele é pai de família. Ele sabe que suas amenidades farão seus filhos passarem por ele, como ele passa por catracas de ônibus. Ele sabe do passado inútil, do presente enganoso e do futuro negro que suas amenidades lhe engendrarão. Não existe maior pena do que a vida que esse sujeitinho medíocre leva, e pior ainda o amanhã que lhe espera.

Ele quer assim? Então que seja assim. Ele vai sentir a merda toda na própria velhice, se é que já não esta vivendo esse flagelo!

O advogado de defesa tinha pequenas fagulhas nos olhos ao dizer isso. Parecia um diabo cobrando a divida de um desalmado.

- Belo advogado de defesa! Pensou ironicamente o réu. O filho da puta também esta tripudiando sobre meu patético crime.

- Meritíssimo! Continuou o defensor após pigarrear. Peço que esse processo seja arquivado e que o réu seja liberado para sofrer sozinho com seus pensamentos.

O promotor levantou-se com os dedinhos finos ainda tocando sua bancada, e depois de olhadelinhas de um canto ao outro, falou com voz aguda, quase como um guincho:

- O crime não está apenas nas amenidades! O crime maior é outro.

O auditório ficou em silêncio tomado por uma fumegante e envolvente nuvem de curiosidade.

- Caros presentes. Esse infeliz tem sim de sofrer o castigo gelado da ignorância. Ele deve ser sim tratado como um fracassado, um sem assunto e um limitado. Ele deve sorver todo nosso desprezo disfarçado. Porque meus senhores e minhas senhoras do júri. Esse filho de uma égua comete o crime mais horrendo na nossa concepção.

- Esse imbecil, não tem, não ambiciona e não consegue ganhar...

... Dinheiro!

Um silêncio sepulcral tomou conta do cenário. Os cenhos de todos eram carregados e pesados como chumbo.

O réu, sem dúvida, teria pena máxima.

E o ônibus chegou ao terminal no mesmo horário de sempre.