quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Crime das amenidades


Entrou no ônibus e sentiu uma gotinha de felicidade ao ver que ainda havia lugar para sentar, pensou pela milésima vez o quanto de tempo na sua vida passou dentro de “latões” como aquele. Quanta gente falando sem parar desde as sete e meia da manhã. Refletiu: Uma das coisas que sua vida medíocre de passageiro lhe ensinou é que as palavras são extremamente inócuas naquele universo.

Lugar na janela, que maravilha. Poderia olhar ali fora e ver tudo, menos a realidade.

O zum, zum, zum, dos idiotas estava diluindo-se no seu pensamento. Ele não podia parar para pensar, pois se parasse o julgamento começaria.

Tarde demais.

- Meritíssimo! O réu esta sendo julgado por sua insistência com amenidades.

Um Oooh!! Foi ouvido, vindo do pequeno público.

- Amenidades! Que coisa! Cochichavam uns estúpidos lá no cantinho do tribunal.

O Juiz com desdém e um sorrisinho escroto na cara apenas olha com repugnância o tolo pensador de amenidades.

O Promotor continua com a voz alta.

- Todos seus irmãos agora estão curados da doença das amenidades. E esse infeliz continua a insistir com essa maldição.

- Ele é um completo idiota! Vociferou um homem de terno e notebook no colo.

- Um palhaço! Outro brandiu debaixo de seu cabelo espetado e besuntado de gel.

O réu apenas olhou de canto de olho e lembrou que detesta Max Gehringer. Até seu ódio é ameno. Odiar Max Gehringer é uma amenidade não?

O juiz bateu o martelo na mesa e exigiu ordem.

- Ordem! Ordem no tribunal. Chamem o advogado de defesa.

Lá no canto esquerdo levantou-se a figura patética do advogado de defesa. Um sujeito que traja uma vagabunda camisa pólo por fora da calça. Na cabeça um acetinado chapéu de bobo da corte.

- Meritíssimo! Quero dizer que a acusação ao réu é infundada, uma vez que o objeto da acusação está sendo distorcido.

O Juiz fez cara de pouco de com as mãos fez sinal para o bobalhão prosseguir.

O Advogadinho então perguntou a todos os presentes:

- O que vocês querem desse pobre looser? Será que não percebem que as amenidades são sua salvação? Vocês cobram uma postura estupidamente séria e respeitável com que intenção? Meu cliente, não é um desigual. Ele apenas optou em ser ameno. Ele é pai de família. Ele sabe que suas amenidades farão seus filhos passarem por ele, como ele passa por catracas de ônibus. Ele sabe do passado inútil, do presente enganoso e do futuro negro que suas amenidades lhe engendrarão. Não existe maior pena do que a vida que esse sujeitinho medíocre leva, e pior ainda o amanhã que lhe espera.

Ele quer assim? Então que seja assim. Ele vai sentir a merda toda na própria velhice, se é que já não esta vivendo esse flagelo!

O advogado de defesa tinha pequenas fagulhas nos olhos ao dizer isso. Parecia um diabo cobrando a divida de um desalmado.

- Belo advogado de defesa! Pensou ironicamente o réu. O filho da puta também esta tripudiando sobre meu patético crime.

- Meritíssimo! Continuou o defensor após pigarrear. Peço que esse processo seja arquivado e que o réu seja liberado para sofrer sozinho com seus pensamentos.

O promotor levantou-se com os dedinhos finos ainda tocando sua bancada, e depois de olhadelinhas de um canto ao outro, falou com voz aguda, quase como um guincho:

- O crime não está apenas nas amenidades! O crime maior é outro.

O auditório ficou em silêncio tomado por uma fumegante e envolvente nuvem de curiosidade.

- Caros presentes. Esse infeliz tem sim de sofrer o castigo gelado da ignorância. Ele deve ser sim tratado como um fracassado, um sem assunto e um limitado. Ele deve sorver todo nosso desprezo disfarçado. Porque meus senhores e minhas senhoras do júri. Esse filho de uma égua comete o crime mais horrendo na nossa concepção.

- Esse imbecil, não tem, não ambiciona e não consegue ganhar...

... Dinheiro!

Um silêncio sepulcral tomou conta do cenário. Os cenhos de todos eram carregados e pesados como chumbo.

O réu, sem dúvida, teria pena máxima.

E o ônibus chegou ao terminal no mesmo horário de sempre.

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