Seus olhos encheram-se de água ao parar em frente ao colégio municipal com o filho segurando suas mãos. Aquela fachada imponente com frontão faraônico e seus numerais romanos exatamente como era na sua infância, um paradoxal sonho feito de pedra sobre pedra.
A porta enorme de madeira nobre lembrava a entrada de um castelo. Os grandes vitrais sobre majestosas janelas, as cimalhas adornadas e nos cantos as emblemáticas águias de pedra que tanto impressionavam em outros tempos. Virou-se para seu menino e tentou sentir a emoção por outros olhos. Lógico que agora, no alto de seus 44 anos, o prédio tinha sim, perdido um pouco da sua grandiosidade. Porém isso não evitou o turbilhão de lembranças.
Quantas vezes, ao passar por ali perto, quando ainda era chamado de Joãozinho, puxando o carrinho apinhado de papelão com o saudoso pai, admirava as crianças sorridentes chegando com suas camisas brancas como nuvens em contraste com calças azuis de tergal. Encantava-se com aqueles belíssimos brasões costurados nos bolsos das camisas. Imaginava que o pai ficava constrangido e disfarçava com olhadelas todo o movimento, os sapatos engraxados, as pastas e mochilas que exalavam cheiro de coisa nova.
Ele, pequeno feito um fantoche, de pés no chão, ajudando o velho na seleção do lixo, apenas tinha o direito de sonhar e nunca ousava imaginar que alguém de sua família conseguisse ali tocar os pés. Seu pai precisava de seus serviços para colher papelão pelo bairro. Mandar o garoto para os cadernos e livros era luxo demais para aquele velho mulato, o pouco que conseguiam colher para vender era suficiente apenas para o feijão, o pão e raras vezes a carne no açougue da esquina.
Tanto tempo passou. O velho tomou o caminho inexorável de todas as vidas. Ele cresceu, largou os papelões e conseguiu com esforço e muita dor aprender o ofício da construção. Aos dezessete anos era um atencioso ajudante de pedreiro, com trocados e sobras juntava material para construir sua própria casa, moradia encravada no alto do morro, feita com suor e carinho junto com a jovem Dinara, a mulatinha que lhe enfeitiçou. Tornou-se um pedreiro experiente, que lhe rendeu o apelido de João de Barro. Ensinava o filho os macetes da vida, mas não da profissão. Queria que o filho tivesse um futuro melhor, sabia que seu sonho talvez virasse verdade conforme conseguisse mais serviços.
Agora, tanta emoção naquele momento presente. O filho ali do lado, segurando suas mãos com força, o rostinho apavorado. Fechou os olhos e lembrou de Dinara. Não pode conter mais uma onda de lágrima. Alguém pede licença e passa com outra criança desfalecida no colo. O barulho é confuso, pessoas chorando, pessoas resignadas, pessoas sem expressão.
Ele e o menino só tinham a roupa do corpo, estavam enlameados e fétidos. No céu uma pequena trégua das nuvens e do fumegante mormaço. Num megafone um outro cidadão dizia para que o pessoal tentasse se instalar da melhor maneira possível nos salões da escola e que mantimentos deveriam chegar em breve.
Olhou aquele pequeno rasgo de sol, pensou mais uma vez na mulher e na casa descendo o morro na avalanche de lama e desespero da noite anterior. Olhou de novo para as estatuas das aves de rapina. Queria ter sido como aquelas águias de pedra, mas a verdade é que nunca passou de um João de Barro.
Um comentário:
MUITO LEGAL, O TITULO COUBE MUITO BEM,PARABÉNS!!!
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