Desde que começou a trabalhar há 17 anos como bolsista no Laboratório de Ciências e Estudos Neuro-Físicos da conceituada Universidade de São Genaro, o estudioso estava muito ansioso por aquela ocasião. Ele agora já não era mais bolsista ou estagiário, e sim um respeitado pesquisador formado
Aquela noite de insônia parcial tinha com certeza toda razão de ser. Joni desde pequeno era um menino diferente, sua infância nunca acompanhou o padrão dos amigos da escola ou da vizinhança. Se todos gostavam de brincar com peões e correr com pneus de bicicletas equilibrados por varetas, Joni ficava lendo ou tentando entender o comportamento físico destes brinquedos. Ele, como seus tios diziam , havia nascido para os livros e cadernos. Quando adolescente ao invés de sair para curtir garotas, bebidas e conversas sem pé nem cabeça sob gotículas de orvalho, ele apenas ficava em seu quarto envolvido com pequenas experiências, tentando entender as particularidades da natureza e as possibilidades de intervenções.
O que ninguém sabia era que o prodígio depois de um tempo, no fundo no fundo, estava arrependido de ter feito tudo que tinha feito. Joni há certos anos havia cansado de toda aquela sede de saber. Sua verve científica esmoreceu, e mesmo que de forma tardia, aflorou em sua humanidade uma vontade de apenas viver os dias e as noites . Ele sucumbiu ao lugar comum e pior ainda, estava cheio de remorso por tudo aquilo que deixou pra trás.
Certa vez, aos vinte e seis anos de idade, ao ler o texto de um poeta sul americano, Joni se convenceu do quanto estava perdendo da vida. Toda sua infância e juventude haviam voado como as pipas derrotadas nos festivais de outrora e que ele nunca estava lá pra ver. Sua adolescência fora enclausurada em tardes e noites de estudo e exercícios. O poema dizia sobre aproveitar a vida, arriscar mais, mergulhar fundo num oceano de coisas antes consideradas frivolidades. Joni ficou muito deprimido, pois aquilo magoou seu coração como a ponta fumegante do punhal incandescente de um ferreiro num pedaço de isopor de baixa densidade. Joni desde aqueles dias havia tomado uma decisão, ele repararia seu maior erro. Foi essa obsessão que o fez desenvolver em segredo um dispositivo de viagem temporal. Uma máquina do tempo.
A engenhoca consistia numa imensa cápsula com uma câmara interna ligada por um eixo numa das extremidades. Algo como uma máquina de tomografia onde o corpo do paciente poderia girar livremente. Na cabeça uma espécie de capacete com diversos eletrodos lembravam facilmente os filmes B sobre Dr. Frankenstein e a criatura. A idéia era atingir velocidade altíssima de giro do corpo e do cérebro combinando com impulsos eletromagnéticos no crânio, fazendo assim uma reação psico- física onde baseada em teorias de relatividade do espaço com o tempo provocaria um deslocamento temporal. Tudo foi estudado a fundo pelo obcecado físico.
Joni já havia testado com pequenos camundongos e estes sumiam como mágica depois do experimento. Todos sabem que a coragem é a mãe do progresso. O que seria de um cientista se esse não tivesse coragem? No entanto a coragem tem um limite e após essa linha ela muda de nome, ela passa a atender como Loucura. Joni já havia há tempos se despedido da coragem. O mundo dele agora era outro.
Ao chegar ao laboratório, viu o mesmo pessoal de sempre. Cumprimentou a todos e sem gerar qualquer desconfiança foi caminhando até a sala para experimentos. Nos últimos meses somente ele tinha as chaves daquele espaço e sob o motivo de confidencialidade mantinha tudo que ali era feito no mais profundo segredo. Ninguém sabia de sua estranha e insólita experiência. Algo, no entanto foi diferente naquele dia. Um senhor que Joni nunca tinha visto no laboratório, de cabelo grisalho e jaleco azul claro estava fazendo a limpeza dos corredores e antes do cientista adentrar a sala, falou:
- Vejo que vocês têm algumas cobaias por aqui!
Joni parou um pouco e então se virou para o locutor. O Homem com sobrancelhas grossas como uma taturana e olhar emblemático ainda emendou:
- Você já parou para olhar para esses ratinhos que “brincam” nessa roda?
O velho apontava uma pequena gaiola sobre um balcão onde um camundongo corria sem sair do lugar fazendo girar um cilindro. Joni olhou aquilo e perguntou:
- O que o senhor quer dizer? Desde quando o senhor trabalha aqui na limpeza?
O velho deu um sorrisinho e finalizou:
- Veja o ratinho rodando sem sair do lugar. Ele quer sair da gaiola e não consegue. Só você pode soltá-lo. Só algo maior pode fazê-lo livre.
Joni olhou de novo o pequeno roedor, pensou um pouco e concluiu da perda de tempo daquela conversa. Entrou e fechou a porta à suas costas.
Depois de diversos e minuciosos cálculos, Joni preparou a velocidade, o ritmo e programou o número de giros da câmara interna da inovadora máquina. Segundo seu entendimento ele voltaria algumas horas no tempo. Seria um teste. Antes de acionar, Joni ainda pensou no caso de dar tudo errado. Um tímido sorriso apareceu no seu rosto. Pensou ele: Não tive que deixar nada avisado para ninguém. Pelo menos nisso serviu minha vida sem graça e enfurnada em livros, monografias e teses. A família que eu tinha eu deixei pra trás, a família que eu poderia ter eu rejeitei. Vou enfim arrumar o que fiz de errado. Vou consertar minha vida torta. Acomodou-se na cápsula, ajeitou o capacete e com o polegar esquerdo acionou com um controle a máquina.
...
O despertador finalmente disparou. Joni já havia acordado pelo menos há 2 horas e apenas aguardava o toque do relógio para poder iniciar o dia mais esperado de sua vida...
Ad eternum
4 comentários:
Como ele podeia sair desse "dia da marmota"? Então ele consegue voltar no tempo, mas não consegue mudar os fatos? Que louco!
O detalhe é que a própria memória volta no tempo. O cara entrou num ciclo sem fim. Igual a um ratinho correndo no cilindro.
Mais uma coisa:
"Laboratório de Ciências e Estudos Neuro-Físicos da conceituada Universidade de São Genaro"
"especialização em Protótipos para experimentos encéfalo- cirúrgicos"
hahahahahaha
me dei o direito de inventar coisas!
Muito bom! Tem mais é que inventar mesmo, o estilo "Código da Vince", que mistura ficção e realidade dá muito trabalho e um nó na cabeça do leitor, que acaba confundindo tudo.
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