Era uma vez...
A menina em toda sua inocência não imaginava a fragilidade de seu maior herói, não sabia que ele a protegia com um escudo falso, um escudo imaginário. Desde pequenininha ouvia suas histórias. Dragões, cavaleiros, gigantes, lobos e feiticeiras. Sempre ele salvava a menina antes de cada final. Ela não tinha saída, senão acreditar que aquele homem tinha os ombros de um rinoceronte, os olhos de lince e a astúcia das raposas. O falso herói, no entanto, sabia que não passava de um engodo.
Foi numa noite de ventos fortes que aconteceu o inesperado e a revelação. Aquele que se dizia protetor chegou a casa com os olhos inundados. Seu silêncio era pesado e denso. Era a personificação da angustia. A menina viu o homem quieto, diferente. Tocou com as mãozinhas os braços dele e clamou por um sorrisinho. O infeliz não teve audácia de olhar para aquele pequeno par de olhos arredondados, do jeito que estava tentou esboçar o que poderia ser interpretado como um alento.
As crianças têm o incrível poder de regeneração, recuperação e sobrevivência. Porém, além desses três fieis mosqueteiros que trabalham como um exército de anjos a protegê-las, elas ficam a deriva num mar de inocência. O tempo vai dando discernimento em detrimento dessa fortaleza. Os mais velhos ensinam coisas e entre essas coisas eles aterrorizam revelando a verdadeira imaturidade do ser humano. As crianças vão aos poucos sendo roubadas. Roubadas de encanto, de viço, de ternura.
O homem não sabia, mas a sua filha , mesmo com os punhados de anos que tinha, percebeu algo no ar.
- Está triste pai? Perguntou.
O homem desconcertado, não viu outra saída a não ser dizer:
- Estou apavorado filha. Um monstro. Um monstro está na rua comendo as pessoas.
A menina assustada pulou no colo do pai e se apertou contra o peito dele. Com os olhos bem fechados perguntou:
- Mas pai, você vai me proteger?
Com as lágrimas já correndo pela face, ele beijou a cabeça da garotinha e suspirou.
- Desculpa filha. O monstro é enorme. Tem o tamanho de um edifício de seis andares. Ele arranca a cabeça e os braços das pessoas e come os miolos.
A essa altura a inocente e desesperada criança já chorava como uma criança deve chorar. O pai sentia-se um verme, tendo a filha no colo e sem poder acalmá-la. Levantou-se e correu para o quarto para que pudesse ver na sacada. Sorrateiramente, por detrás das cortinas e ainda com a menina no colo olhou para a rua. Viu algumas pessoas correndo com expressões de pânico. Sentiu que a criatura vinha para aquele lado do bairro.
- Vamos pra debaixo da cama pai! Exclamou a desesperada menina. Ela estava branca de pavor, seus olhos quase saltavam das orbitas. Ver o pai naquele estado era tudo que ela jamais imaginava vivenciar.
O pai agachou-se junto ao peitoril da janela pensativo, debaixo da cama não adiantaria de nada. Pegou a menina pelas mãos e correu com ela até a área de serviço. Dali daquela parte da casa, pela abertura acima de uma mureta a criatura estava quase toda a mostra.
Era horrível. Tinha mandíbulas avantajadas e um crânio todo rachado como uma fruta prestes a explodir. Com certeza tinha mais de quinze metros de altura. No lugar dos braços havia tentáculos gosmentos e desastrados. A pele era uma espécie de couro de elefante, mas com uma cor ainda mais repugnante. Sua boca enorme com uma dentadura cavalar e desproporcional emitia um som realmente assustador, algo como um rugido de lobo misturado ao berro de uma mulher. Sim o grito era bestialmente pavoroso. Caminhava, mancando pela rua ao lado, destruindo tudo que via e desmantelando os desesperados que corriam pelas paredes, becos e cercas. As pessoas se quebravam como frágeis bonecos de brinquedo.
O pavor e a situação dramática paralisaram a menina e o homem naquela área. Não tiveram tempo de reagir, quando um dos tentáculos invadiu aquele espaço e raptou a pequena menina rodopiando seu corpinho pelo ar. O Homem de forma mecânica e sem raciocinar, pegou um espeto que ali estava encostado junto à churrasqueira e saltou sobre os ombros da asquerosa besta. Golpeava com a provisória espada a nuca do monstro enquanto a garotinha aos berros clamava pelo papai. O gigante aos poucos foi sentindo as estocadas e depois de largar a menina sobre um monte de latas de lixo perto de um bueiro sujo e fumegante, caiu de joelhos como se tivesse zonzo. O Homem incansável e de forma acrobática girou o corpo num salto fantástico e golpeou fatalmente aquele ser bem no meio dos olhos, vindo o mesmo a cair de vez.....
- Senhor, senhor!!!
- Ah?! O que ?
- O Ponto final senhor.
O Homem caiu na realidade. Saiu do ônibus. A que bom seria se tudo fosse tão fácil. Olhou seu prédio bem a sua frente. Lá na janela a sua pequena menina acenou contente para o pai que chegava do trabalho.
O Homem suspirou forte. A sua mão esquerda amassava uma folha de papel. No cabeçalho daquela folha estava escrito:
Carta de Demissão.
Na cabeça do homem um grito aterrorizante.
2 comentários:
Esse o João não pode ler...
hahahaha
ele assiste coisa pior nos Cartoons e Nickelodeon.
Esse monstro é fichinha pra ele.
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